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Luís Henrique Pellanda

Dodói

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Me param na rua, me mandam mensagens. Querem saber da piranha solitária do Passeio Público. Faz tempo que não falo dela. No começo, eu até me espantava, como pode? Desconhecidos me abordam, me chamam pelo nome, me perguntam sobre um peixe. Depois é que fui compreender a apreensão dos leitores. A gente se apega a tudo. Bichos, personagens literárias, projeções emocionais.

Quanto à piranha, respondo, não tenho notícias, o aquário fechou para manutenção. Entrando no jogo ficcional, a turma ainda se deixa levar por uma esperança: será que ela fugiu? Eu sorrio, quem sabe, não nos custa um exercício descompromissado de empatia. É preciso, afinal, gostar de alguém, curtir alguma coisa, dividir amores, e não apenas ódios.

Confesso que às vezes fantasio, penso na piranha foragida. Tento traçar sua rota. A fuga do aquário para o tanque, do tanque ao Rio Belém, a descoberta de águas mais turvas que o coração humano. E então o Iguaçu, o nado rumo à liberdade e, por fim, uma carta enviada da Argentina: estou bem, estou viva, estou livre.

A gente se apega a tudo. Bichos, personagens literárias, projeções emocionais

Empatia. Dias atrás, no Passeio Público, um menininho caiu enquanto brincava. Ralou os joelhos, machucou as mãos. Uma delas chegou a sangrar na palma. Mesmo assim, o piá choroso levou uma dura. A mãe mandou que se calasse, fosse homem, e seguiu em frente. Ele ficou. Aproximou-se do cercado das cutias e mostrou a elas o ferimento: ó, dodói. As cotias acorreram, sei lá se condoídas. Só sei é que sua atenção foi uma vitória para o menino magoado.

É o Passeio Público, embaixada curitibana do País das Maravilhas. Não me surpreenderia se avistasse por ali um dodô e um tigre-da-tasmânia numa mesa não de chá, mas de dominó. Semana passada, por exemplo. Na trilha paralela à Luiz Leão, encontrei um capuchinho, isolado numa cela. Dei-lhe bom dia. O macaco trepou num poleiro, espantou as moscas de seu prato de frutas, catou uma banana e, juro, me ofereceu um pedaço. Grato, declinei.

Acontecem coisas. Sexta, no terrário, uma loura forte me cutucou o braço: moço, aquele lagarto está te chamando. Oi? De fato, o iguana acenava para mim. Esfregava as patas dianteiras, de longos dedos, contra o vidro que o separava de nós, feito limpadores de para-brisas. Era comigo. Me mantive cético, mas a moça se acocorou, consternada: o que você quer nos dizer? Está com calor, está com fome, está triste? Diga! Deixei a loura com o iguana. Se houvesse uma mensagem, fosse ela a portadora.

Mas admito: saí do terrário comovido como o diabo (ninguém se comove como os anjos, sempre ávidos de nos passar à espada). Lá fora, diante da gaiola dos gaviões-caboclos, uma mulher colhia flores de uma floreira — o que é proibido, vocês sabem, mas permitam que, ao menos nesta crônica, aquela mulher esteja protegida por não sei quais licenças poéticas.

Eram flores pequenas, amarelas e vermelhas. Não perguntem a espécie. Se eu estivesse com meu celular, fotografaria a planta. Depois a mostraria à minha filha, que consultaria seus compêndios de botânica e me diria seu nome, para que eu o informasse a todos.

Fico devendo. Mas garanto, sim, que o buquê era bonito. E que nenhuma daquelas flores nos pareceu, então, condenada ou solitária.

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