De cócoras, a mãe escava a beira-mar com as mãos. Deposita a areia úmida na peneirinha da filha. Eficiente, a menina separa as tatuíras e as joga num balde. O piazinho é que não ajuda, perdido em sentimentalismos. Rola sobre as ondas, em busca da “conchinha mais linda do mundo”.
Segundos depois, dramático, já está em pânico: água-viva, acudam! Todos correm salvá-lo, a mãe liderando o pelotão. Ergue o filho nos braços, escrutina o entorno, cadê a bandida? Mas logo se acalma, foi engano, gente. E aponta o preservativo que passa por nós, serpenteando nas marolas.
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A menina, gordinha, mergulha de cabeça nas ondas. Ao emergir, é um grito de alegria. Desacostumada ao sutiã, porém, acaba expondo, sem perceber, um mamilo. Ninguém liga, mas, ao seu lado, uma senhora de chapéu se irrita com o descuido. Incomodada, adverte a criança: olha o seio de fora, criatura!
A menina, primeiro, se assusta. Depois, compreendendo o problema, o resolve com naturalidade. Despe a parte de cima do biquíni e chispa, só de calcinha, em direção ao guarda-sol onde sua infância, à sombra, toma os últimos picolés.
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O ano está só começando
Gosto de acompanhar a chegada à praia dessas imensas famílias de veranistas que vêm passar o dia à beira-mar. Uma dúzia de pessoas, de três ou quatro gerações, descendo juntas à areia, levando sacolas e brinquedos.
Nessas turmas, o que mais me comove são suas providências inaugurais. A montagem do acampamento. A fixação do guarda-sol, que se hasteia como uma bandeira na Lua. E a aplicação coletiva do protetor solar. Nada mais bonito que essa retomada sazonal do contato físico, das carícias entre pais e filhos, casais e irmãos. Ou esse espanto da menina de cabelo verde ao tocar, pela primeira vez, a insólita pele da bisa.
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Nas horas mais frescas da tarde, os catadores de lata aproveitam para dormir. Deitam-se na grama do calçadão, sob coqueiros ameaçadores. Do saco de latas que juntaram durante o expediente, fazem um travesseiro. Quando acordam, estão cercados de novas latinhas vazias. É que o povo adquiriu o hábito de largá-las ali, para ajudar os catadores adormecidos.
Um dia, um desses caras não quis dormir. Preferiu esvaziar, ele mesmo, uma lata. Para ajudar-se. Contou moedas, comprou uma cerveja, sentou num banco, encarou o mar, virou a bebida, amassou a lata, guardou-a no saco e o sol se pôs. Financeiramente, ele sabia, tinha cometido um erro. Mas um erro a ser repetido.
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Termina o show de fogos sobre o Morro do Cristo. Permaneço na sacada, numa banqueta de cozinha. No prédio vizinho, ouço gritos. É um bando de moços e moças que me acena de uma janela, as garrafas em riste: tintim, feliz ano-novo, tio! Ergo meu copo d’água do galão: ok, feliz ano-novo, boa noite.
Três horas mais tarde, na cama, acordo assustado. Tem confusão lá fora. Choradeira, palavrões, ameaças de tiro. Volto à sacada. São os mesmos moços e moças, jurando-se de morte no meio da rua. Lançam cadeiras de praia uns contra os outros. As cadeiras, no entanto, não querem ferir ninguém e se desviam no ar, voam para longe. Eu, que já não tenho asas, volto para a cama. O ano está só começando.
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