| Foto: Felipe Lima

Atrás do título bobo que ganhou no Brasil (Tinha que Ser Você), o filme do diretor americano Joel Hopkins, que estava em cartaz em Curitiba até quinta-feira, esconde um tema delicado. Duas pessoas maduras, com vidas empacadas tanto no campo profissional quanto no pessoal, se encontram no momento em que estão encarando suas frustrações. Os americanos chamam pessoas assim de losers – perdedores. Aqui no Brasil a figura não é tão forte, felizmente. Por­­que no fim das contas, se aplicarmos um olhar muito duro, seremos todos classificados de perdedores em alguma etapa da vida. Ou se é perdedor na juventude por falta de brilhantismo na vida escolar ou por ter poucos amigos e nenhuma namorada (o), ou viramos loser lá na frente, quando descobrimos que nunca ficaremos ricos ou que a nossa vida pessoal é modesta demais.

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No caso dos personagens de Tinha que Ser Você, Harvey (Dustin Hoffman) e Kate (Emma Thom­­pson), a vida realmente não tem sido muito divertida para os dois. Ela, uma mulher na casa dos 50, mantém um trabalho modesto enquanto sonha em ser escritora. Sua família se resume a sua mãe, que depende emocionalmente dela: telefona o dia todo, até para fazer fofoca do vizinho. Ele, chegando aos 70, sonhou um dia em ser pianista de jazz, mas só conseguiu compor música para publicidade. Não é valorizado no trabalho, vive longe da filha que vai se casar em Londres. Harvey é espontâneo e um pouco desastrado e parece que isso não combina com a personalidade da ex-mulher e da filha, duas pessoas do tipo "princesas" que o trocaram por homens mais elegantes e bem-sucedidos.

A facaca no coração vem no casamento da filha, que elege o padrasto para acompanhá-la ao altar. Como já havia feito antes diante da rejeição, Harvey recua e planeja ir embora mais cedo da festa e voltar a se enterrar no trabalho. Só que ele é demitido por telefone e, ao mesmo tempo, conhece Kate. Seu movimento em direção a ela mostra que ainda há impulso de vida dentro dele. Era mais fácil afundar a má­­goa no copo de Johnny Walker, mas ele se dá ao trabalho de se aproximar de uma desconhecida para conversar. Não foi exatamente uma paquera, foi desespero. E o desespero é a força que o impulsiona a pedir socorro. Kate também é espontânea, mas acredita que sua espontaneidade a fragiliza e por isso se esconde. Não dentro de um copo de uísque, mas de um livro que carrega para baixo e para cima.

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O título original do filme (Last Chance Harvey, ou algo como É sua última chance, Harvey) indica a leitura que o diretor quer que a gente faça. Dependendo de como reagir no casamento da fi­­lha, Harvey poderá se afastar de­­finitivamente dela. Dependendo de como agir com Kate, perderá a chance de trazer um pouco de afeto para sua vida. E pode ser a última vez. Não porque ele tem 60 e tantos anos, mas porque a vida vai se enredar por outro caminho.

Na verdade, os dois personagens deste filme simples e encantador são incrivelmente corajosos. Em troca de algumas horas de conforto e carinho, aceitam baixar a guarda e arriscar-se a ser rejeitado (mais uma vez) e sofrer a perda de alguém importante (mais uma vez). Não dá para chamar de perdedor alguém que é corajoso diante desses riscos, sem ser inconsequente ou irresponsável.

Pena que o filme saiu de cartaz e lamento não ter podido vê-lo e comentá-lo antes. Imaginei que teria a mesma trajetória de Alguém Tem que Ceder, outro filme sobre amor maduro que atraiu muita plateia em Curitiba. Mas as locadoras estão aí para nos dar uma última chance.

Marleth Silva é jornalista.

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