Passei anos acreditando que Edu Lobo cantava "porque no amor quem pede quase sempre ganha" logo nos primeiros versos de Lero-lero, aquela canção que fala do brasileiro de estatura mediana que gosta muito de fulana, "mas sicrana é quem me quer".

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Fazia sentido: quem pede amor quase sempre conquista o amor. Quase sempre, está bem claro, mas é preciso arriscar. Pois outro dia peguei um CD, li a letra no encarte e, surpresa! Não é isso que o Edu Lobo diz. Segundo o tal brasileiro que não tolera lero-lero, quem perde quase sempre ganha. Era o verbo perder e não o pedir. O rapaz era bem mais cínico do que eu imaginei todo esse tempo. Ele pregava que quem leva um fora pode estar se livrando de encrenca.

Lero-lero é uma canção de 1978, criada por Edu Lobo, que é um compositor de melodias sofisticadas, e Cacaso, que era poeta. Fez sucesso quando lançada – ou seja, há 36 anos. A melodia é refinada a tal ponto que me pergunto se hoje teria a mesma repercussão da época. Nos anos 70 a música brasileira produziu canções que tinham um tom épico, grandioso, como é o caso de Lero-lero, que é o retrato de uma espécie de Macunaíma da MPB: descreve um brasileiro honesto e sem frescura ("Não guardo mágoa, não blasfemo, não pondero / Não tolero lero-lero, devo nada pra ninguém").

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Bem mais recente, um pagode também intitulado Lero-lero diz o seguinte: "Pra que tanto lero-lero, meu bem? / O que eu quero é tirar onda com você / Tomar um chope geladinho, mergulhar no teu carinho / Me afogar no teu prazer". Quatro décadas depois, é um brasileiro diferente que confessa candidamente que só quer "tirar onda" com a mulher que está na sua mira. Chamá-lo de tico-tico de rapina seria pouco.

Às vezes, a troca de palavras na letra de uma canção faz todo o sentido para quem ouve, como é o meu caso com o brasileiro bom de bola, ruim de grana. Outras vezes, você não entende direito, mas debita a confusão na conta da liberdade poética do autor ou na da sua própria ignorância. Por anos achei que o Belchior gritava "É você que é malpassado e não vê, que o novo sempre vem". Supus que aquele malpassado era uma gíria "esperta" do Belchior. Recentemente, ouvindo uma gravação da Elis Regina, percebi que ela fala claramente "é você que ama o passado e que não vê...". Susto!

Perguntei para alguns amigos se já havia acontecido algo assim com eles e reuni histórias engraçadas, como a da Juliana. Quando o Claudio Zoli entoava "na madrugada, a vitrola rolando um blues / tocando B.B.King sem parar" ela entendia "trocando de biquíni sem parar". Atire a primeira pedra na Juliana quem nunca fez uma dessas.

O Muggiati, que coleciona histórias interessantes, me falou de ouvidos treinados que também se confundem. Contou uma história engraçadíssima do Bob Dylan encontrando os Beatles naquela primeira viagem dos quatro ingleses aos Estados Unidos e sugerindo que compartilhassem um cigarro de maconha. Silêncio no quarto do hotel. Até que um dos Beatles respondeu que eles nunca tinham provado a cannabis, para espanto de Bob Dylan, que retrucou: "Mas, e aquela música (I wanna hold your hand), que diz três vezes ‘I get high’ [gíria para "eu fico ligado"]? Lennon até enrubesceu para explicar que Dylan tinha entendido errado. O certo é "I can’t hide" ("não consigo esconder"). Até o Dylan fez dessas.

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