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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Acabei de ler uma biografia do escritor argentino Jorge Luis Borges. Como sempre acontece quando leio a biografia de alguém já falecido, em que toda a obra e toda a vida são analisadas, me encantou a relação estreita entre a história pessoal e os rumos que Borges tomava. Por mais misteriosa que a forma como ele tocava a vida parecesse aos olhos dos contemporâneos, visto em retrospecto, tudo faz sentido. A mesma sensação me veio quando li, anos atrás, Sua Santidade, uma biografia do papa João Paulo II escrita pelo italiano Marco Politi, um especialista em Vaticano, e pelo americano Carl Berstein. Esse último é um dos repórteres do Washington Post que apuraram o escândalo de Watergate. Nos capítulos que falam da infância de Karol Wojtyla em Cracóvia, já se começa a prever que aquele papa se empenharia para tirar o comunismo da Europa.

Alguém irá me dizer que é absolutamente natural que seja assim: nossos atos e decisões, nossas crenças e preconceitos são resultados de uma história pessoal que começa com o lugar e o ano em que nascemos, a família que nos criou, as escolas que frequentamos. Estamos de acordo quanto a isso.

O que me diverte nas biografias é que, ao olharem a vida do fim para o começo, elas projetam trajetórias coerentes e que fazem todo o sentido do mundo. Aposto que Borges e Karol Wojtyla não desfrutavam de tanta clareza sobre suas motivações enquanto se debatiam com as questões que os atormentavam no dia a dia. É que eles não ti­­­nham lido suas biografias.

Aliás, uma experiência curiosa seria ler a nossa própria biografia agora, no ponto em que estamos. Não importa se temos 20, 40, 60 ou 80 anos. Nossa história seria contada com detalhes, com o empenho investigativo de um biógrafo. Como se fosse o Ruy Castro registrando a vida do Garrincha.

Melhor seria se fosse uma autobiografia. Só o trabalho de recuperar tudo, de voltar atrás e fazer perguntas para a mãe e para o pai, de localizar a professora da escola primária e perguntar como éramos já bastaria para nos iluminar os caminhos. Ou para nos confundir de vez. A imprensa faz isso com pessoas famosas, especialmente assassinos, e o resultado é sempre surpreendente. Que tal se a professora contar que você era um bom aluno (como você bem se lembrava), mas que tinha o hábito de bater nos colegas (o que você tinha esquecido). E se aquele colega do ginásio se recordar que, aos 16 anos, você paquerava todas as meninas da classe (o que você havia esquecido completamente) e isso rendeu um apelido engraçado (que faz questão de não lembrar). Em resumo, podemos descobrir outro eu que estava bem escondidinho.

É claro que há de se levar em conta que toda biografia é tendenciosa. Ou segue um viés colocado pelo biógrafo ou pelo próprio sujeito, no caso das autobiografias. Em sã consciência, não acredito que obras assim possam ser isentas de preconceitos, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis ao biografado. Porque sempre formamos uma opinião sobre as pessoas que encontramos, mesmo que seja um encontro virtual com a história de uma pessoa já morta, como fazem os biógrafos. Simpatizamos ou antipatizamos sempre, até conosco mesmo.

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