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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Alguém deixa escapar du­­rante a conversa no ca­­fezinho que um dia foi Boneca Viva. Só um dos interlocutores sorri; os outros nem sabem o que é Boneca Viva (é o título dado à menina que ga­­nha um concurso de "beleza", geralmente porque vendeu mais rifas que as concorrentes). Ex­­pli­­cado do que se trata, a moça vira alvo de mil piadinhas. Também revela que ganhou o título de Miss Simpatia no concurso de Miss Normalista e foi Rainha das Piscinas. Enfim, um currículo digno de uma beldade. Um colega, para não ficar para trás, revela que foi eleito Melhor Compa­­nheiro pelos coleguinhas da terceira série. Mas ele desconfia que a eleição estivesse viciada porque a mãe dele era a professora...

Pergunto aos colegas que sentam perto de mim se ganharam algum título na infância ou na adolescência. Lá vêm histórias. Uma lembrança puxa a outra. A colega gaúcha acumulou prêmios e glórias: primeiro, foi oradora da turma do jardim da in­­fância (esse nome bonito que se usava para a pré-escola), mais tarde levou os títulos de Rainha da Primavera e de Se­­gunda Princesa na quermesse da Paróquia de Santa Tereza, em Rio Grande. Foi um ano de glória para a gauchinha. Anos mais tarde, abocanhou o título de Miss Brotinho da 1.ª A do Magistério (na competição ge­­ral da escola, perdeu). Estou cercada por heróis familiares, mas não por grandes campeãs. A outra colega conseguiu ser Rainha da Tabuada, mas ficou em segundo lugar no concurso do clube, em Pontal, com sua fantasia de odalisca – a rainha foi de pantera. Mesmo a Bone­­ca Viva parece que tinha uma tendência pa­­ra ficar em segundo lugar. Não pensem que estou fazendo pouco delas! E eu, que só ostento um título no meu currículo in­­fanto-juvenil? Recebi uma menção honrosa em um concurso de contos da editora José Olympio, com uma história tão água com açúcar que hoje rio das minhas boas intenções. Tinha um detalhe pitoresco: a história se passava dentro de um ônibus do transporte coletivo de Curitiba! O prêmio foi modesto, mas agradou: alguns livros de contos e crônicas de autores brasileiros, todos muito bons. Além disso, fui chamada pela dona Ida, diretora do Colé­­gio Rio Branco, onde eu estudava, para receber uma homenagem dos colegas. Um amigo mais debochado me disse que fiquei escondida atrás da diretora o tempo todo e que ninguém me viu.

Meu filho recentemente foi Sinho­­zinho na festa junina da escola. Glória das glórias, ganhou faixa com letras douradas e tirou foto na frente de todos os coleguinhas. Foi, literalmente, uma vitória comprada. É eleito sinhozinho o candidato que mais vende votos.

Na verdade, estou um pouco aliviada em descobrir que não estou cercada de campeões. A gaúcha me conta que foi escolhida pelas freiras para ser o anjo azul da missa do colégio. Mas ela sonhava em ser o anjo rosa, que lhe parecia mais nobre (vá entender os critérios que inventamos para achar que precisamos daquilo que ainda não temos...). Pois as freiras preferiam manter uma lourinha como anjo rosa. Para se vingar, o anjo azul aproveitou um dia de chuva e esfregou suas botinas enlameadas na barra do traje angelical. Não lhe deram a roupa rosa e nem a convidaram novamente a enfeitar o altar.

Parece que brasileiro adora essas competições ingênuas, que nos dão a chance de ser princesa, sinhô ou rei por um dia. Nos dão a chance de sair da multidão. Co­­mo em todo concurso, só um sobe no pó­­dio mais alto. Eu e meus colegas não chegamos lá, mas as lembranças nos fazem rir e isso é impagável. Não vestimos o traje rosa reservado para os anjinhos louros nem levamos a coroa de rainha das normalistas da região Norte do Paraná. Somos como a maioria e isso é muito bom.

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