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Marleth Silva

Detalhes de uma festa indecente

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A festa de casamento... Ah, a festa de casamento! Ela pode transformar duas pessoas em estrelas absolutas aos olhos de um grupo íntimo ou até de uma comunidade. Daí o espetáculo em que as festas de casamento se transformaram. Espetáculo de pequenos caprichos, no caso da maioria. Espetáculo de ostentação, no caso de alguns que querem mostrar que não são como eu e você, que são especiais. E o que os faz especiais? Na maioria das vezes, o fato de terem dinheiro. O diferencial dessas pessoas não escapa de um simples escrutínio. É só dinheiro mesmo.

Na sociedade do espetáculo, as noivas e seus pais perdem a cabeça e enlouquecem com os detalhes para seus casamentos suntuosos. Junto com a cabeça, perdem a noção de ridículo, de elegância, de decência. Gastar R$ 200 mil em uma festa de casamento é razoável? E R$ 2 milhões?

Uma moça carioca (neta do maior empresário do transporte coletivo do Rio) organizou assim sua festa: dia 13 de julho, cerimônia na Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo (onde dom Pedro I e dom Pedro II foram sagrados imperadores) e recepção suntuosa para 1,2 mil convidados no Hotel Copacabana Palace. O noivo é filho do empresário que domina o transporte coletivo no Ceará.

Vamos colocar a festa numa perspectiva completa: três semanas antes do casamento, o Rio de Janeiro viu 300 mil pessoas nas ruas cobrando mais qualidade do transporte coletivo e da saúde pública, e protestando contra a corrupção e outras mazelas que tornam o Brasil um país-padrasto. Calcula-se que naquela sexta-feira, 21 de junho, as manifestações reuniram 1 milhão de pessoas em todo o país.

Mas um casamento é organizado com muita antecedência. A noiva da família Barata reservou a igreja e os salões do Copa quando ainda namorava outro rapaz. Segundo contou a Folha de S.Paulo, o namoro terminou, mas ela manteve as reservas. Engatou outro namoro e finalmente fez o casamento do jeito que queria. Houve protestos do lado de fora da igreja. Lá vai a descrição feita pela jornalista Hildegard Angel, que era convidada e se mostrou uma cronista competente: "O protesto diante da igreja causou tensão nos convidados, perturbou todo o tempo o ofício do padre, e a noiva, Beatriz, em vez de cortejo de daminhas e pajens, precisou de cordão de isolamento para entrar na igreja".

Os protestos se repetiram na porta do Copacabana Palace e todo mundo sabe como terminaram: convidados lançaram aviõezinhos de notas de R$ 20 e jogaram bem-casados nos manifestantes. Alguém atirou um cinzeiro, que feriu uma pessoa que estava em frente do hotel. O hotel não deixou que o ferido entrasse para ser atendido pelo médico de plantão. Comentário de Hildegard: "O Copa, neste momento, rompe sua tradição histórica de cordialidade com a população carioca e de diplomacia e assume uma postura hostil". Eram "eles" contra "nós". Por tudo isso, a festa virou notícia e dois jornais se deram ao trabalho de especular quanto a família Barata gastou com o regabofe. A Folha de S.Paulo calculou em quase R$ 3 milhões. O carioca O Globo foi mais conservador: R$ 2 milhões.

Uma festa tão cara que chega a ser escandalosa é sempre de mau gosto. Uma festa escandalosa promovida por dois empresários do transporte coletivo um mês depois de o país quase parar por protestos contra um reajuste de 20 centavos na tarifa... É desrespeito, é sinal de alienação.

A alienação da elite brasileira explica boa parte do clima de revolução que estamos vivendo. Revoluções não são necessariamente algo ruim. Mas são descontroladas e nem sempre acabam do jeito que gostaríamos. O roteiro é previsível até certo ponto. O comportamento dos convidados do casamento, jogando bem-casados para a plebe raivosa, repete Maria Antonieta encastelada em Versalhes. Aquele grupo da elite carioca inconscientemente encenava um roteiro histórico. Os manifestantes também. Na história desse incrível ano de 2013, que não sabemos aonde nos levará, o casamento terá de ser citado. Sugiro que seja no verbete "alienação".

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