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"Distraídos venceremos", escreveu Pau­­lo Leminski. Título bonito para um li­­vro de poemas. Como alguém que já foi uma distraída crônica, en­­tendi a frase como uma mensagem de otimismo. Ele não disse que "apesar de distraídos, venceremos". Não fez nenhum julgamento moral. Mostrou fé nos distraídos.

Distraído de quê? Será que ele se referia a passar distraído pela vida, sem notar coisas que são muito importantes para outros, mas não para nós? Nesse caso, estar distraído seria uma forma de se proteger, de ser fiel a suas con­­vicções. Ou pensava no estereótipo do poeta, que descuida de aspectos práticos do cotidiano por estar concentrado em algo?

Vamos falar a verdade: os distraídos, se não forem muito desapegados, sofrem um bocado. Perdem objetos, perdem prazos e acabam tendo trabalho dobrado. Perdi minha cartilha quando estava no primeiro ano do grupo escolar. Minha mãe vasculhou a casa e nunca encontrou o vovô-viu-a-uva de capa amarela. Foi preciso arranjar outra. Parece pouca coisa, mas a menininha de 6 anos deve ter ficado muito chateada, porque a adulta se lembra bem do episódio. O distraído deixa a cabeça voar um minutinho e, pum! É tarde demais. Pas­­sou pela esquina onde deveria ter entrado, esqueceu de pegar o papel que deveria ter levado, não lembra o que pediram que trouxesse da rua. Deu-se mal.

O mundo é cruel com os distraídos.

Ao mesmo tempo, é bom ser distraído. Não é que eu defenda o viver ensimesmado, sem reparar no mundo à nossa volta. O mundo à nossa volta é nosso presente, nos­­sa única realidade, nossa chan­­cezinha de viver a vida. Mas o ser humano tem uma natureza espantosa, que se caracteriza pela imaginação e pela capacidade de abstração. Imaginação e abstração que se manifestam concretamente na forma de literatura, mú­­sica, ciência e religião. Imaginação e abstração nos fazem diferentes das plantas e dos animais. Ima­­ginação e abstração exigem silêncio e foco no que vai lá dentro, no recôndito do nosso cérebro. E, quando nos concentramos no que vai lá dentro, ficamos distraídos. E distraídos venceremos.

Distraídos pisaremos nos astros. Distraídos seremos menos neuróticos.

Está cada dia mais difícil ficar antenado o tempo todo. Exige um trabalho danado por conta da velocidade imposta pela tecnologia. Mal acabo de saber o que é "tendência" (um eufemismo para modismo) e a tendência já foi substituída por outra. Es­­queça. Não dá! Você nunca vai ven­­cer. Distraia-se prestando atenção no que vai lá dentro da sua cabeça, na conversa que ouve no ônibus, nas mudanças que acontecem na sua rua. E, para o resto, use a agenda.

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