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 | Arte: Felipe Lima
| Foto: Arte: Felipe Lima

Dizem por aí que um sonho do brasileiro é ter seu próprio automóvel. A julgar pelo aumento visível da frota, isso deve ser verdade. Tendo dinheiro suficiente para bancar a compra (ou falta de juízo o bastante para bancar as prestações), o sujeito corre atrás de seu sonho motorizado. O resultado está aí: ruas lotadas de potentes máquinas que se arrastam como jabutis e nós, dentro deles, tendo crises de ansiedade e claustrofobia.

Pois eu ando sonhando em me tornar uma sem-carro, uma caminhante, uma passageira. Quem sabe uma "caroneira"... Ou seja, alguém que prescinde do automóvel para ir e vir.

De tanto dirigir por aí, gastando o precioso tempo e a mais preciosa ainda paciência, tenho uns impulsos que estão me assustando. Tenho gana de largar o veículo na rua, de porta aberta e luz acessa, e sair andando. Imagino-me caminhando tranquilamente pela calçada enquanto ouço o buzinaço e os palavrões que os outros motoristas me dirigirão. "Pura inveja" – direi mentalmente e seguirei caminhando com ar de superioridade e indiferença. Ajo como quem não tem nada a ver com o barulho e a desordem à minha volta.

Essa é a minha fantasia, que acaba quando a fila anda, engato a primeira e me arrasto mais um pouco.

De vez em quando, quando as circunstâncias permitem, faço o meu próprio dia sem carro. Saio cedo de casa e sigo a pé para o trabalho. É uma longa caminhada, de mais de uma hora, mas eu chego ao trabalho feliz e animada. A caminhada é revigorante e, pelo menos até hoje, livre de estresse.

Também posso pegar um ônibus. Às vezes consigo sentar, às vezes não. E dou uma caminhadinha antes e depois de embarcar – viver em bairro distante tem dessas coisas; o ponto de ônibus não é logo ali na esquina da sua casa. É agradável ver a cidade logo cedo e chego animada no trabalho, em parte porque fico bem com minha consciência: já fiz meu exercício diário, quem sabe até aumentei minha taxa do tal colesterol positivo, aquele que protege de enfartes.

Minha vida ainda não pode ser repleta de dias sem carro por causa dos pimpolhos que levo para a escola. Mas um dia a liberdade virá. Se for perfeita, nem carro na garagem terei. Mas já me contentarei em deixá-lo parado por vários dias enquanto contemplo o mundo do alto da calçada.

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