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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Se tem coisa que brasileiro não sabe fazer direito é ser franco. Diante da constatação de que um colega de trabalho, amigo ou parente tem uma característica que precisaria ser abandonada, algo que atrapalha a convivência ou prejudica sua imagem, comenta-se o fato entre amigos. Mas é difícil, muito difícil, alguém tomar a atitude de falar diretamente com o interessado. Mau hálito, voz alta, roupas risíveis ou manias desagradáveis? Discute-se o problema com todo mundo, menos com o objeto da conversa.

Será maldade ou um grande respeito pelo jeito de ser de cada indivíduo? Provavelmente nem uma coisa nem outra. A franqueza não é um traço de personalidade comum por essas bandas. Para nós é custoso abrir o jogo. São raras as pessoas que dizem o que pensam quando percebem que o que pensam pode ajudar. É preciso coragem para abordar alguém que não pediu sua opinião e dar-lhe uma dica, um conselho, um palpite. É trabalhoso:

— Desculpe te dizer, Fulano, mas aqui no escritório todo mundo acha que esse teu hábito de viver ligado no MSN pega mal.

Ou:

— Sabe, Beltrana, as roupas muito justas que você usa no trabalho prejudicam tua imagem.

Será que não falamos porque já sabemos de antemão que o interlocutor não será receptivo? Em outras palavras (fazendo uma leitura invertida do mesmo assunto): o traço de personalidade nacional seria a dificuldade para aceitar críticas? Pois desconfio que não seja isso. Sempre haverá pessoas mais soberbas ou inseguras que subam nas tamancas ao serem alertadas sobre a roupa justa ou sobre a mania de ficar na internet quando deveria estar trabalhando. Tenho a impressão de que a maioria de nós supera o impacto da crítica e, a médio prazo, até reconhece que ela ajudou. O xis da questão é nossa brandura, nossa cordialidade, nossa simpatia. Nossa! Como gostamos de ser simpáticos. Ser simpático: está aí um traço indiscutível da personalidade nacional.

O lado patético — ou maldoso — da questão é que mesmo aquele indivíduo boa-praça acaba comentando os pontos fracos do colega ou vizinho com todo mundo, menos com o próprio. E esse, sim, é um comentário inútil. Outras tantas vezes o comentário sai na forma de piada (é nosso jeitinho de vestir a crítica com uma roupagem simpática para torná-la menos assustadora) ou durante uma explosão de raiva. Aí, na hora da briga, fala-se tudo e mais um pouco. Como estratégia, é um tanto arriscada...

Até anos atrás, podia-se apelar para cartas anônimas, que começavam assim: "Sou um amigo que gosta muito de você e preciso te alertar para o que andam dizendo por aí." Pena que este artifício foi muito usado para fins nada nobres, como destruir casamentos. Mas até que era uma saída para um povo com medo do olho no olho, como o brasileiro. Agora, com o e-mail, não dá mais. Ao receber mensagens com o assunto "Blusinhas curtas demais" ou "O que andam falando sobre você", o destinatário conclui logo tratar-se de vírus e lá vai o conselho para a lixeira.

Marleth Silva é jornalista.

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