Dizem que se passarmos os olhos pela estante de livros de uma pessoa aprenderemos muito sobre ela. Isso serve também para outros itens que trazemos para casa depois de um processo de seleção: CDs (ou as músicas no iPod), DVDs, roupas. Se olharmos não só o que está lá, mas também a forma como estão guardados os objetos, vamos deduzir uma coisa ou outra sobre o dono. São autorretratos involuntários.
Talvez a leitura resultante seja tendenciosa. Para mim, organização demais é sintoma de loucura; loucura inofensiva, mas ainda assim, loucura. Para outra pessoa pode ser só praticidade. Além do mais, pode-se pegar alguém em um mau dia, depois de uma semana cheia em que as roupas foram se acumulando fora dos cabides. Ou logo após a faxineira ter retirado os livros da prateleira para tirar o pó e devolver tudo do jeito que achou melhor. Uma vez isso aconteceu comigo depois de uma reforma. Cheguei em casa e vi que os volumes tinham sido misturados como cartas de baralho. Ela tentou arranjá-los nas prateleiras de acordo com a altura de cada exemplar. Ficou bonito...
Ou seja, não pulemos logo para as conclusões. Mas que as seleções que vamos fazendo guardam muita informação sobre nós, isso guardam.
Outro processo de escolha que é praticamente uma autobiografia é o fim de semana. O que é que você faz no seu fim de semana? Reabastece a geladeira, organiza a casa, vai à igreja, visita a mãe e depois dorme o resto do domingo? Ou vai ao cabeleireiro, passa no shopping, vai a um bar no sábado à noite e consome o domingo em outro shopping, bebericando cafezinhos e folheando revistas na livraria? Notou que são perfis diferentes? Mas o dono do primeiro perfil talvez goste de passar horas no shopping de vez em quando e a moça que passa boa parte do sábado se arrumando às vezes gasta o domingo com as tias e até vai com elas à igreja. Por isso é preciso mais de um fim de semana para chegar ao "direi quem és".
Desconfio que a pior praga contra os dias de descanso seja a obsessão por aproveitá-los bem. Pior até que a preguiça. A intenção é boa, mas o descanso e o prazer só vêm quando se desiste de controlar tudo e de conseguir resultados. Tem quem passe boa parte do sábado e do domingo preocupado em usar bem o tempo, em fazer algo divertido ou algo construtivo. Só relaxa quando a segunda-feira se aproxima e o tempo livre acaba. Aí não se tem mais escolhas e a angústia vai embora. É por isso que viajar é uma saída: interne-se em um hotel-fazenda, em uma cidadezinha do interior ou no litoral fora da temporada. Como não há o que fazer dá para entregar-se sem culpa à leitura, ao sono ou ao ócio leitura e sono não são ócio, são?
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O leitor Carlos Pegurski tem razão: ele escreveu para me lembrar que o autor do samba Preciso me Encontrar é Candeia e não Cartola. Nada mais injusto que atribuir a obra de alguém à pessoa errada. Obrigada, Carlos.
Marleth Silva é jornalista.
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