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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Seguia eu meu caminho rotineiro quando vi, de longe, umas bolinhas vermelhas, esferas perfeitas descansando sobre a calçada. Mais perto, constatei que eram frutinhas caídas de uma árvore. Aliás, eram várias as árvores daquela quadra da Avenida Iguaçu que estavam carregadas da frutinha. Gabiroba... Araçá... Como é mesmo o nome? Se sou ignorante sobre o nome da fruta, em compensação sei que já comi e aprovei. Por isso me deu vontade de parar o carro para pegar algumas. Mas a pressa não deixa: pessoas me esperavam e não entenderiam se eu dissesse que me atrasei porque parei para comer gabiroba – ou araçá. Como não tinha certeza do nome da fruta, ainda iriam achar que estou mentindo.

A revolta me domina. Que vida triste é essa em que não se pode parar para comer fruta madura, de graça, na beira da estrada? O leitor vai lembrar a canção de Ataulfo Alves e me dizer: console-se porque "tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé". O que nos leva a outro assunto interessante e menos revoltante que a falta de tempo: as frutas de árvores dos quintais ou dos bosques estão sempre bichadas. Talvez o bichinho ainda seja minúsculo e invisível. Mas espere a fruta amadurecer e ele aparecerá. Já sabia disso o Ataulfo, quando compôs Laranja Madura e citou o provérbio popular, creio que nos anos 1950.

Anos atrás, ganhei duas tirivas (também chamadas de maritacas), aquele periquito barulhento que é nativo do Brasil. É um animal silvestre, portanto, e não deveria viver dentro de casa. Por isso tentei devolvê-los à natureza. Bem, não era exatamente à natureza, mas sim ao Passeio Público. Telefonei para lá (naquela época ainda havia muitos bichos no Passeio) e conversei com um veterinário, que me desencorajou. O Passeio já tinha uma superpopulação de tirivas que fugiram das gaiolas ou que foram abandonadas por seus donos. Elas se reúnem em grupos e vivem no alto das árvores de espaços públicos. Nem nativas de Curitiba elas são. Foram todas trazidas do litoral, como as duas que viveram na minha casa.

Pois uma das verdinhas ficou doente e precisei procurar um veterinário especializado em animais silvestres. O doutor me explicou muitas coisas sobre aquela espécie, inclusive que ela não é vegetariana como nós pensamos. Ela precisa de proteína animal. Sim, tiriva come carne. Carne de bichinho de fruta. As frutinhas estão sempre bichadas e por isso não falta proteína animal para elas na natureza, mas no cativeiro só comem as sementes que os donos acreditam ser o alimento correto para pássaros. O veterinário me recomendou que desse Danoninho (aqueles queijos cremosos e açucarados que "valem por um bifinho"). Pois é, o bife da tiriva engaiolada é o Danoninho. A tiriva doente morreu logo depois da consulta, mas a outra viveu muitos anos, muito mais do que o veterinário tinha previsto.

Foi por isso que, dias depois de ver os araçás na calçada (creio que eram araçás), ao encontrar outra árvore carregada da frutinha, ignorei as advertências e provei algumas. Estavam deliciosas, como só frutinhas silvestres conseguem ser. Não identifiquei nenhum rastro de sabor de proteína animal, mas provavelmente ela estava lá.

Como o leitor deve estar notando, depois de provar a vitamina do araçá, não me falta assunto para essa coluna. Tenho mais um: sabe quem é o Zé, citado por Ataulfo Alves naquele samba fantástico? Trata-se do médico Justino Alves Pereira – conhecido pela família como Zé Justino, que vive em Londrina. A história foi contada com muita graça pelo jornalista Ranulfo Pedreiro, no Jornal de Lon­drina. Os dois se conheceram e ficaram amigos porque o avô de Justino era patrão do avô de Ataulfo, lá em Minas. O Zé, com quem Ataulfo conversa no samba, é, portanto, um ilustre morador das terras roxas do Norte do Paraná. E agora faço um esforço para parar por aqui porque Ataulfo Alves, Norte do Paraná, Minas, frutinhas e passarinhos rendem conversa que não acaba mais.

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