Meu colega Roberto Muggiati me pergunta o que acho da ideia de viver mil anos assunto levantado por um médico inglês que anda viajando pelo mundo afora dizendo que essa longevidade matusalênica logo estará a nosso dispor. Respondi ao Muggiati que acho uma grande bobagem. Por várias razões. Cito uma: imagine o acúmulo de memórias na cabeça do milenar cidadão! É impossível lidar com tantas lembranças.
Pelo que sei, temos de esquecer algumas informações (ou pelo menos guardá-las em uma espécie de arquivo-morto da memória) para dar espaço para as novidades. Ao longo de uma vida de mil anos, eu teria de ir esquecendo milhões de coisas. O resultado é que talvez a Marleth de 400 anos não saiba quase nada do que aconteceu com a Marleth de 60 anos. Isso não seria o equivalente a viver várias vidas? Como em um grande ciclo de reencarnações no mesmo corpo? E no mesmo corpo encarquilhado, ouso acrescentar. O tal cientista inglês disse que a medicina vai desenvolver "tratamentos capazes de evitar ou corrigir os principais mecanismos celulares que levam a doenças associadas ao envelhecimento, Parkinson e Alzheimer entre elas". Não teremos as doenças associadas ao envelhecimento o que é um ganho considerável. Mas teremos o envelhecimento em si o que não é fato desprezível. Ou seja, velha ficarei de qualquer forma.
Noventa anos bem vividos já seria uma sorte enorme. Atualmente estamos naquela fase da aventura humana no planeta em que temos uma longevidade alta para o padrão biológico da espécie (de acordo com a biologia, o limite para a nossa longevidade é 120 anos) e também para o contexto histórico até o século 19, longevo era quem chegava aos 40. Lembra da mulher de 30 anos de Balzac? Coitada, estava dobrando o cabo da Boa Esperança.
Agora temos octogenários pimpões que nos animam a sonhar com uma Quarta Idade que dá prazer viver. Sim, porque o que move o ser humano a sonhar com uma vida de mil aniversários é o medo da morte, mais do que a disposição para viver. A velhice em si mais assusta que anima homens e mulheres a sonharem com ela.
Um desses velhinhos pimpões é o português Manoel de Oliveira. Em reportagem na revista Época e em entrevista na revista Piauí o cineasta de 102 anos mostra que vive a velhice que todos nós queremos. Tem um cérebro ágil, uma língua afiada e disposição para tocar seus projetos criativos. Segundo a descrição feita pelos jornalistas que o entrevistaram, Manoel tem a coluna ereta e usa a bengala como um dândi, apenas para fazer charme. Passaria, dizem eles, por um homem de 80 anos! Assim, até eu.
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