Podem duvidar, mas que eu vi, eu vi. Um caminhão-frigorífico com placa de Erechim circulava em Curitiba com a seguinte frase escrita no para-choque: "Há coisas que não se fazem; outras que não se dizem". As letras eram formadas por três linhas paralelas, uma amarela, uma verde e uma azul.
O que tem de espantoso nisso? É que o autor da frase, citado no para-choque com um modesto e minúsculo "M.A.", é Machado de Assis, a quem posso chamar aqui, sem o menor medo de estar sendo exagerada, de o maior escritor brasileiro. Que glória ver Machado circulando pelo Brasil, sendo lido por milhares de pessoas que, quem sabe, irão citá-lo ao chegar em casa!
Consegui identificar o autor da frase por um lance de sorte. Tenho um livrinho chamado Migalhas de Machado de Assis, que traz aforismos do escritor. São frases retiradas de seus romances, contos e crônicas. A frase que encantou o caminhoneiro gaúcho seria de Iaiá Garcia.
Se Machado comenta vários temas, percebe-se a predominância de alguns deles: o casamento, por exemplo. Há certa resignação sem amargura no que ele diz sobre o casamento: "Do sacrifício recíproco é que nasce a felicidade doméstica". Ou: "Que resta a maior parte dos casamentos logo após os anos de paixão? Uma afeição pacífica, a estima, a intimidade." E lá vai Machado, com muitos comentários sobre o amor, a paixão e o casamento.
Há, certamente, uma razão histórica por trás de tanta meditação sobre o casamento. Na época em que Machado viveu, casar-se era obrigação social e divorciar-se, impensável. Portanto, entrar em um casamento era regra para quem queria ser "normal" e, depois do compromisso assumido, era preciso aprender a conviver com as dificuldades porque ele tinha de durar para sempre.
Um outro grande conjunto de frases mostra que Machado fez parte do grupo de pessoas que se maravilha com a vida, com a existência humana ("Muitas vezes o homem, ainda a engraxar botas, é sublime") e com a natureza. Percebe as dificuldades ("A vida é uma ópera bufa, com intervalos de música séria") e delas fala com ironia fina ("Nem tudo é ótimo neste mundo"). Há muita reflexão sobre como tocar a vida pessoal ("Haverá coisa pior do que mesclar o ódio às opiniões?") e sobre como funciona a vida pública ("Há uma série de fatores que a lei não substitui e esses são o estado mental da nação, os seus costumes, a sua infância constitucional...").
Em resumo, até as frases soltas são geniais, como bem reconheceu o caminhoneiro gaúcho. E eu, se vir outro para-choque enfeitado com palavras de Machado de Assis, vou começar a acreditar que o Brasil está tomando jeito.