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Só me arrisco a abordar o assunto aqui porque há pessoas, como você, que leem textos como este den­­tro de um jornal. Sei que o leitor existe porque alguns se apresentam a mim na rua e ou­­tros enviam e-mails. Posso, portanto, falar de leitura porque al­­guém que lê está me acompanhando neste momento. Esse assunto, para quem não tem o hábito, tende a soar como pregação, mesmo que a intenção não seja essa. Se você fala de algo que te faz bem, o outro pode achar que se trata de uma tentativa de convencimento. Mas não é essa a intenção (até porque, como se convence uma pessoa a ler?).

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É prazeroso encontrar al­­guém para compartilhar algo que chamou nossa atenção. Uma leitura leva a outra. Meu irmão me conta, no feriado, que está cansado porque não dormiu direito. Pergunto se foi por causa do calor. "Não, foi culpa do livro que estou lendo, não conseguia parar." Eu entendo do que ele está falando e fico interessada porque vem aí uma informação interessante: um livro que faz alguém ficar acordado para ler mais páginas. A conversa pode continuar (temos algo em co­­mum) e eu quero saber que livro é aquele porque é assim que descobrimos coisas boas para passar os olhos (meu irmão lia A Rainha do Castelo de Ar, do sueco Stieg Larsson).

Comece a contar sobre algo bacana que você leu – um livro, uma notícia, um artigo – para alguém que nunca lê e a conversa não vai para frente. Experi­­mente, se duvidar de mim. Tal­­vez seu interlocutor, educadamente, te conte que anda tão sem tempo que nem abre mais o jornal que assina. Você se dá conta de que é melhor parar por ali, desviar a conversa por outro lado. Se estiver comentando um artigo sobre a obsessão dos brasileiros com carros, por exemplo, pode pegar um desvio: "O trânsito está uma loucura, não é?". E pronto, falamos de outra coisa. Com o passar dos anos, vamos ficando bons em falar de generalidades para não nos expormos ou para fugir de situações potencialmente embaraçosas.

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Ler por prazer, ler obras de ficção ou uma biografia de Mata Hari, ou uma crônica de jornal so­­bre senhorinhas da Água Ver­­de ou tucanos-de-bico-verde, é algo injustificável do ponto de vis­­ta prático. Só entende esse hábito esquisito outro leitor. Não insista, para não virar um chato. E comprar livros, então? E ler jornal todo santo dia? Está na mesma linha de esquisitice.

O brasileiro que sente necessidade de ler – e há alguns que realmente precisam de seu momentinho diário de prazer silencioso – frequentemente passa por esquisito. Por que diabos gasta dinheiro com livros? Será por antipatia ou arrogância que o sujeito fica no quarto, escondido atrás de um livro, enquanto os vizinhos discutem os destinos do mundo em torno de uma cervejinha?

A resposta mais verdadeira que me ocorre é: prazer, é um prazer profundo e inesgotável que nos faz fixar os olhos no papel; é por prazer que viajamos em textos esdrúxulos que falam de personagens imaginários, que usam as palavras de formas inesperadas ou contam histórias sobre gente esquisita que mora longe de nós. Você, que chegou até essa última linha, sabe do que estou falando.

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