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Marleth Silva

Verão, três da tarde

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

É verão no Brasil. O gato dorme, o cão se estende no chão de ladrilhos procurando um pouco de frescor. Humanos observam, apenas observam. O calor exige imobilidade. Se não dormimos, olhamos o nada das tardes paradas. Os ruídos da natureza. Folhas secas levadas pelo vento que anuncia chuva (há sempre vento e chuva nos verões brasileiros), pássaros. Esses ruídos que existem nas outras estações, mas que na preguiça das tardes quentes ganham força hipnótica. É preciso estar quieto para sentir a tarde de verão.

É dessas tardes inertes e quentes que muitos fogem quando viajam para as praias lotadas ou para as grandes cidades do Hemisfério Norte.

É para buscar essas tardes inertes e quentes que muitos fogem das grandes cidades, dos apartamentos, em busca de lugares onde seja possível viver o verão com os pés descalços, olhando o nada doméstico: o movimento das folhas nas árvores, o ruído distante do automóvel, a brisa, o marulho. Sentar em uma pedra para olhar o mar. Postar-se na areia da praia para ver as ondas. Ah, as ondas, hipnóticas também, especialmente se o calor te deixou entorpecido. Para que se mover se o mar se move por nós?

Imóveis, mentes letárgicas, sonhamos. No verão sonhamos com movimentos sensuais e lentos, com sedução.

Dizem que o verão no Brasil é sensual por causa das roupas minúsculas. Não será por causa do entorpecimento, da preguiça, da constatação de que a vida pulsa com a chuva, com o sol, com o vento? O verão é o contrário da hibernação. Não estamos imóveis, quase mortos, para sobreviver. A natureza está muito viva, grita através de trovões, queima através dos raios solares, toca a terra através das chuvas torrenciais. Estamos, nós também, muito vivos, contendo os movimentos, mas carregados de energia. Contenção, movimento, contenção, sensação. O que é isso senão a sensualidade humana? A pulsação humana?

É preciso lembrar da infância e da adolescência para viver uma tarde de verão. Recordar aquele tempo em que não fazer nada era aceitável, em que a mente não cobrava ações e resultados, nem os outros te lembravam de que a vida prossegue repleta de tarefas importantes e inúteis, daquelas que nos causam problemas se esquecemos delas, e que serão esquecidas tão longo cuidemos delas. As tarefas práticas não transcendem nada. A tarde quente e vazia transcende tudo, o tempo e o lugar. Estamos aqui e estamos lá atrás, na tarde ociosa da infância, quando os adultos dormiam a sesta e nós, crianças, zanzávamos pelo quintal em busca de algo que nos levasse a viajar, ainda que só na imaginação. Ou sentávamos, pequeninos, na areia morna, que era filtrada pelos nossos dedos. "Sai do sol!" – gritava um adulto. Na porta de casa, as páginas do gibi esquecido no sol amarelavam. Huguinho, Zezinho e Luizinho com seus eternos pulôveres. Gostávamos deles, apesar de viverem em outro planeta, onde não existia o verão brasileiro. O sol amarela as páginas, doura a pele, clareia os cabelos, destaca as cores. Vivemos em um mundo colorido e morno. É verão.

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