É verão no Brasil. O gato dorme, o cão se estende no chão de ladrilhos procurando um pouco de frescor. Humanos observam, apenas observam. O calor exige imobilidade. Se não dormimos, olhamos o nada das tardes paradas. Os ruídos da natureza. Folhas secas levadas pelo vento que anuncia chuva (há sempre vento e chuva nos verões brasileiros), pássaros. Esses ruídos que existem nas outras estações, mas que na preguiça das tardes quentes ganham força hipnótica. É preciso estar quieto para sentir a tarde de verão.
É dessas tardes inertes e quentes que muitos fogem quando viajam para as praias lotadas ou para as grandes cidades do Hemisfério Norte.
É para buscar essas tardes inertes e quentes que muitos fogem das grandes cidades, dos apartamentos, em busca de lugares onde seja possível viver o verão com os pés descalços, olhando o nada doméstico: o movimento das folhas nas árvores, o ruído distante do automóvel, a brisa, o marulho. Sentar em uma pedra para olhar o mar. Postar-se na areia da praia para ver as ondas. Ah, as ondas, hipnóticas também, especialmente se o calor te deixou entorpecido. Para que se mover se o mar se move por nós?
Imóveis, mentes letárgicas, sonhamos. No verão sonhamos com movimentos sensuais e lentos, com sedução.
Dizem que o verão no Brasil é sensual por causa das roupas minúsculas. Não será por causa do entorpecimento, da preguiça, da constatação de que a vida pulsa com a chuva, com o sol, com o vento? O verão é o contrário da hibernação. Não estamos imóveis, quase mortos, para sobreviver. A natureza está muito viva, grita através de trovões, queima através dos raios solares, toca a terra através das chuvas torrenciais. Estamos, nós também, muito vivos, contendo os movimentos, mas carregados de energia. Contenção, movimento, contenção, sensação. O que é isso senão a sensualidade humana? A pulsação humana?
É preciso lembrar da infância e da adolescência para viver uma tarde de verão. Recordar aquele tempo em que não fazer nada era aceitável, em que a mente não cobrava ações e resultados, nem os outros te lembravam de que a vida prossegue repleta de tarefas importantes e inúteis, daquelas que nos causam problemas se esquecemos delas, e que serão esquecidas tão longo cuidemos delas. As tarefas práticas não transcendem nada. A tarde quente e vazia transcende tudo, o tempo e o lugar. Estamos aqui e estamos lá atrás, na tarde ociosa da infância, quando os adultos dormiam a sesta e nós, crianças, zanzávamos pelo quintal em busca de algo que nos levasse a viajar, ainda que só na imaginação. Ou sentávamos, pequeninos, na areia morna, que era filtrada pelos nossos dedos. "Sai do sol!" gritava um adulto. Na porta de casa, as páginas do gibi esquecido no sol amarelavam. Huguinho, Zezinho e Luizinho com seus eternos pulôveres. Gostávamos deles, apesar de viverem em outro planeta, onde não existia o verão brasileiro. O sol amarela as páginas, doura a pele, clareia os cabelos, destaca as cores. Vivemos em um mundo colorido e morno. É verão.
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