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Miguel Sanches Neto

Cartografias mínimas

Potencializado pela geração da internet, o conto breve tem raízes profundas na cultura brasileira. Vem de nosso Romantismo, quando o ficcionista passou a publicar histórias em jornais. O conto neste formato tem a extensão da crônica, esse gênero tão aclimatado ao nosso modo de fazer literatura. Enquanto na crônica, no entanto, há um predomínio da espontaneidade narrativa, no conto breve prevalece um tratamento mais poético da linguagem.

Trazem certo esfumaçamento de sentido, próprio da poesia, os contos que Tércia Montenegro (1976) publica em O Tempo em Estado Sólido (Grua, 2012). A autora se vale de uma linguagem mais literária, com o uso de termos eruditos em enredos que não se desenrolam facilmente. O seu narrador recorrente é uma pessoa com atividades artísticas, que questiona a condição frágil da experiência humana. Uma postura mais filosofante distingue os relatos desses seres atormentados com aquilo que não fica.

Se cada conto é uma cena, uma fotografia, um flash, Tércia os amarra por meio deste dilema central. E também pela projeção de personagens e posturas entre as peças. Talvez, o texto mais simbólico do livro seja "Aquarela com Bonsai", relato do encontro sexual de uma mulher e seu companheiro com uma jovem negra. Esta é comparada a uma escultura, por seu corpo bem torneado, por sua juventude explícita. Mas, quando a narradora acaricia o corpo da outra, descobre a consistência líquida daquela beleza e toda a esperança de solidez se desfaz: "Não me acostumo a um corpo que só consegue ser fluido, que não enrijece, que não tem o poder das coisas sólidas" (p.52). Esses corpos líquidos das fêmeas reforçam o seu vínculo ao corpo masculino, mais marmóreo.

As fotografias e a memória (esta vista como uma exposição interior que cada um organiza para uso próprio) são as formas de dar algum osso ao tempo, embora o próprio fluxo dos contos seja invertebrado. Não há um esqueleto narrativo, tudo acontece na mente do narrador, as ações são mínimas e quase não vemos os personagens. Os contos intimistas de Tércia Montenegro são, como o título de um deles, "Cartografias de Instantes", tal como o varal de fotos que a narradora pendura no seu apartamento para consumo artístico privado.

Embora traga um arsenal de epígrafes da poeta Adélia Prado (dispensáveis para a economia narrativa do volume), os contos de Moacyr Godoy Moreira (1972) – Soalho de Tábua (Ateliê Editorial, 2012), estão mais para a crônica do que para a poesia. A linguagem aqui é transitável, os dramas vividos pelos narradores se limitam com a vida das pessoas comuns e há uma claridade de linguagem que revela um desejo de comunicação.

Falta também a exploração de todas as possibilidades narrativas dos núcleos dramáticos, apresentados de forma rápida. O conto mais significativo do livro talvez seja "O estreito espaço dos caminhos", que conta como um marido em desencontro com a esposa faz sozinho suas viagens a trabalho para Portugal, deparando-se nas vielas sombrias da cidade ancestral com um mapa de sua própria interioridade. O eu e a cidade com vias estreitas se confundem: "Notei que os trajetos remetiam-me não à cidade que não conhecia, mas aos meandros de sentimentos que me habitavam" (p. 73). Ele vai concluir que, neste passeio por velhas ruas, experimenta a cartografia detalhada dos próprios desacertos.

Os dois autores resolvem seus contos em duas ou três páginas, pois estão interessados mais num levantamento de instantes do que na exploração das potencialidades narrativas.

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