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Roberto Bolaño aventura-se pela literatura fantástica em Monsieur Pain | Divulgação
Roberto Bolaño aventura-se pela literatura fantástica em Monsieur Pain| Foto: Divulgação

Iluminado pela obra posterior de Roberto Bolaño (1953-2003), Monsieur Pain, um de seus primeiros romances (escrito no começo dos anos 80), tem um valor mais de documento. Nele estão as grandes obsessões do escritor chileno: o poeta como figura central, as conspirações políticas e o exílio europeu de latino-americanos. Do ponto de vista dos recursos literários, este é um Bolaño atípico. O relato tem ares fantásticos, aproximando-se de um Franz Kafka de O Castelo; há também um tom paródico em todo o livro, o que torna a sua leitura cansativa; e o que no seu estilo maduro será uma fragmentação com valor estrutural é aqui mera desconexão surrealista. Não é o texto em si que domina o leitor, mas as questões propostas, e que serão desenvolvidas obsessivamente pelo autor em outros livros.

A narrativa se passa na Paris de 1938, à sombra da Guerra Civil Espanhola (1936-39). É um romance mais político do que fantástico por este motivo. Esta Paris está colocada entre duas forças, que atraem os seus habitantes: a realidade e suas exigências de militância e a habitação de um mundo onírico. Embora antípodas, estas energias estão intimamente ligadas. Os gêmeos Leduc (Alphonse e Charles), dois construtores de aquários como miniaturas de cemitérios marinhos, uma referência à guerra, delimitam as possibilidades deste universo: "Aqui não tem futuro para dois jovens como nós. Não gostamos dos surrealistas nem da farda de soldado. E mais cedo ou mais tarde qualquer uma dessas forças pega" (p.62). Querem ser artistas em Nova York, mas o final deles será bem diferente.

Esta Paris é habitada simbolicamente por um poeta sul-americano, o comunista César Vallejo, que morre de uma doença desconhecida – soluça sem parar. Como a ciência da época não consegue curá-lo, uma amiga de sua esposa resolve convocar um profissional da hipnose, cujo nome dá título ao romance. Monsieur Pain visita o poeta no hospital, é tratado violentamente pelos médicos, mas consegue criar uma expectativa de cura. Até este momento, o romance cresce dentro de certo realismo, numa linguagem que parodia a literatura folhetinesca. Mas este profissional das ciências ocultas se torna um perigo. Um perigo para a ciência, pois ele a nega, mas também para os fascistas, por estar tentando salvar um comunista. É quando recebe um misterioso suborno para desistir de seu paciente.

A narrativa ganha então uma forma labiríntica. Não se sabe mais o que é real e o que sonho daí para frente. Existiriam mesmo os espanhóis (espiões de Francisco Franco?) que lhe deram dinheiro? Ele vê um filme em que a própria realidade é encenada, e o leitor não sabe o que é filme e o que romance. Os encontros (em cafés, no hospital ou em lugares habitacionais) parecem antes pesadelos. Neste mundo sem espessura, Monsieur Pain tenta descobrir se há de fato uma conspiração para matar o poeta, enquanto as pessoas de seu relacionamento – principalmente a mulher pela qual está apaixonado e que o levara ao famoso doente – se afastam dele, provocando uma experiência de exílio, identificando-o assim a Vallejo. Num momento de consciência, Monsieur Pain diz: "o sul-americano vai pagar por todos" (p.105). A força surrealista toma conta de tudo até o momento em que Pain se reencontra com sua amada – que enfim volta a Paris, mas casada –, e descobre que Vallejo morrera.

Nos epílogos, pequenos verbetes sobre os principais personagens, descobrimos Monsieur Pain atuando, em espetáculos de magia, como ativista da Resistência. As forças da realidade se impõem sobre o mundo onírico. Ele sofreu uma modificação profunda (a linguagem do romance fica menos paródica), entendendo que há sempre alguém (uma pessoa, um grupo, um país, um continente) pagando por todos. Na obra de Bolãno, os poetas encarnam esta condição de mártir.

Serviço

Monsieur Pain, de Roberto Bolaño. Tradução de Eduardo Brandão. Companhia das Letras. 144 págs. R$ 34. Romance.

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