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Em entrevista para a revista Piauí de setembro de 2011, o pastor Silas Malafaia, polêmico por suas posturas em relação a feministas e homossexuais, dava a receita para o sucesso de seus livros de autoajuda – todos têm entre 64 e 72 páginas. Explicava então o pastor: "Mais do que isso, o cara não lê, acha grosso demais". O cara, no caso, é o fiel sem formação letrada, agora consumidor de obras impressas. Este é um mercado novo, o do neoleitor, que se fez um público promissor num país de tradição ágrafa.

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Significativamente, a editora L&PM, já especialista na produção de livros de bolso, lança agora uma coleção que se chama 64 Páginas, fazendo com que obras literárias sejam acessíveis do ponto de vista do preço (R$ 5) e da extensão. A popularização da leitura leva a essas apostas nas dimensões miniaturais, a uma adequação ao fôlego curto dos leitores de internet.

Há décadas, fala-se na dimensão física de livros literários, que não poderiam ultrapassar o tempo de leitura de um final de semana prolongado. Agora, o tempo de leitura é o intervalo entre uma tarefa e outra. Os títulos desta coleção são constituídos por coletâneas de textos curtos, geralmente já aparecidos em outras obras. Mas há um romance inédito, Noite em Claro (L&PM, 2012), da excelente Martha Medeiros, cuja obra anterior, a coletânea de crônicas Feliz por Nada (L&PM, 2011), tornou-se o best seller nacional do ano.

O conceito de romance sofre aqui um deslocamento. Noite em Claro é um conjunto de fragmentos – a maioria de um único parágrafo e com alguns que não passam de uma frase – escritos por uma narradora ao longo de uma noite. Ela é uma apresentadora de tevê, faz um programa de entrevista, já foi bela e altamente desejável no passado, teve muitos amores e agora se encontra mais ou menos sozinha. É uma pessoa típica desta nossa era de emissores literários, cujo entretenimento está mais na escrita do que na leitura: "Eu pensei em ler um livro, mas tive uma ideia melhor: vou escrever um livro" (p.3). O livro – o primeiro desta neoescritora – será produzido instantaneamente. Ela repete em outro momento: "escreverei um livro hoje à noite, não deve ser difícil, todo mundo escreve livros" (p.13). Um dos temas desta ficção é o acesso também à escrita.

O livro é um catálogo dos relacionamentos de uma mulher que confessa: "eu a-do-ro sexo" (p.16) – esta frase é todo um capítulo, produzido pela régua do Twitter. O momento traumático de sua história é o casamento com um homem paraplégico, impedido de ter funções sexuais. A narradora vai do quase estupro que sofreu na adolescência ao momento atual, em que, meio velha e meio gorda, vive dos restos de atenção erótica de um ex-jogador de futebol, mais jovem e ausente. Mas o centro de tudo é o suicídio do marido impotente, que não suportou passar a vida numa cadeira de rodas, sem poder ir às vias de fato com a bela esposa.

Este nanorromance tinha tudo para não funcionar, mas Martha Medeiros domina as estruturas simbólicas. O eixo do livro é a chuva. Chove muito, sem parar. E ela relaciona sexo a algo líquido, sugerindo por meio desta metáfora o sistemático esvaziamento da vida sexual da apresentadora. O livro termina com o fim da chuva. Ela ouve as últimas gotas na calha.

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Nessas suas idas e voltas ao tempo das umidades eróticas, a narradora vai construindo uma imagem da mulher que aprende, com humildade, a esperar sexo, cada vez mais raro. Ao longo da escrita, ela dá conta de uma garrafa de prosecco, que no último capítulo, quando ela conclui o romance, está vazia.

São estas metáforas que fazem o livro bem maior do que ele é fisicamente.