Andar de bicicleta está entre as coisas mais libertadoras que eu conheço. Só quem circula de bike em um fim de semana por Curitiba e pelos municípios vizinhos é capaz de testemunhar situações e cenários que, de carro ou de ônibus, nem em sonho. É a vivência prática, muscular e salgada, de kairós, aquele tempo interno a que os gregos se referiam. E, na medida em que o modal demanda uma velocidade mínima, em que há a necessidade de equilíbrio e atenção aos buracos e postes semeados em nossas ciclovias, a experiência ultrapassa os limites da contemplação pura. É muito mais um caso de atenção plena em movimento.

CARREGANDO :)

Outro dia, por exemplo, encontrei um bando de pavões ciscando em um terreno no São Brás. Afastados da tela metálica, das pipocas e da companhia dos jabutis do Passeio Público. Correndo para cá e para lá, abrindo o leque para o mundo e evocando, de imediato, o velho “Pavão Misterioso” de Ednardo. Raridade.

Algumas vezes, o fato ultrapassa os limites da observação. Como no caso, por exemplo, da velhinha que encontrei em uma rua do Pilarzinho. Minúscula, nodosa e imemorial, aguardando pacientemente a passagem de carros em uma rótula. Queria ir à padaria, mas os motoristas – muito mais em uma rótula – simplesmente não colaboravam. Desci da bicicleta e, cavalheirescamente, disse que podíamos atravessar a rua. “Tem certeza?”, desconfiou. “Vem comigo”, devolvi, sinalizando com a mão. E os carros pararam para a inusitada dupla formada por uma idosa de vestido florido e por um ciclista de capacete laranja fosforescente.

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Só quem circula de bike em um fim de semana por Curitiba e pelos municípios vizinhos é capaz de testemunhar situações e cenários que, de carro ou de ônibus, nem em sonho

Até termos cruzado a via, descobri que ela era neta do cidadão que dava nome à rua, que tinha um filho médico e o outro dentista, que teve várias irmãs e que, recentemente, havia arrastado 400 quilos (palavras dela) de jabuticabas que insistiam em cair em sua calçada. Que o marido morrera havia alguns anos e que morava sozinha, sem medo de nada, muito menos de se arriscar cruzando rótulas para ir à padaria. “Não abro mão de um pão d’água com bananada”, confessou. Certíssima.

Imagino que, por ela, a gente estaria conversando até agora. Meus músculos, porém, pediam velocidade e eu fui pelo mundo, língua de fora na altura da Fredolin Wolf (meu próprio antepassado de endereço) e alguns dribles em pedestres na via calma da Sete de Setembro. Bom passeio, enfim.