Na última semana, tive a oportunidade de assistir a O Homem que viu o Infinito, filme inglês sobre a vida breve, genial e sofrida do matemático indiano Srinivasa Ramanujan (1887-1920), um autodidata com talento quase sobrenatural para os números. Figura notável, capaz de resolver teoremas dignos da Esfinge e propor outros desafios matemáticos no mesmo tempo em que eu, troncho, conto de um a três. Tão notável, aliás, que desafiou – com a arquetípica e peculiar humildade indiana consagrada por figuras como Gandhi – os matemáticos do Trinity College de Cambridge, o mais exclusivo e fleumaticamente pedante clube de gênios da Inglaterra do período eduardiano.
Confesso que não captei grande coisa das partes relacionadas à própria matemática, em que Ramaujan e seus interlocutores falam animadamente sobre temas como frações continuadas e séries infinitas – 100% sânscrito para o cronista.
A inveja intelectual é uma forma especializada da inveja que permeia os mitos de todas as culturas
Curti muito, porém, refletir sobre um tema que desde sempre desafia a humanidade: a relação do verdadeiro gênio em determinada área, o indivíduo fora da curva, com o homem comum que se esforça barbaramente para “chegar lá” no mesmo campo. Relação expressa, por exemplo, em Amadeus, de Milos Forman, na suposta inveja apaixonada e na paixão invejosa do esforçado Antonio Salieri pelo “sobrenatural” Wolfgang Amadeus Mozart.
É interessante observar que, em princípio, o gênio não colide com o homem comum; seus extremos simplesmente não se tocam, a não ser nas bobagens do dia a dia, talvez com algum estranhamento ou impaciência. Quando, porém, o gênio encontra alguém que domina boa parte do assunto graças a muito trabalho, alguém, em síntese, para quem o conhecimento “não cai do céu” (Ramanujan, curiosamente, dizia receber fórmulas e teoremas da deusa hindu Namagiri), a coisa pode acabar em tragédia.
É quando entram em cena a maldita inveja intelectual, forma especializada da inveja que permeia os mitos de todas as culturas, e a cegueira ou o “blaseísmo” do gênio em relação ao esforço.
O mais intrigante é observar que a mera atitude contrária – o esforçado vislumbrar o gênio com encantamento, o gênio manifestar empatia pela força de vontade do outro – seria suficiente para resolver todo o problema. Infelizmente, porém, esse “simples” é tudo, menos simples. Talvez pela razão filosófica de que o “logos”, a razão, tem um quê de divino, de “Logos” – e esta é uma aquisição (ou dádiva) extraordinariamente cara.
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