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Rodrigo Wolff Apolloni

Ferreiros, alquimistas e carros

 | Jeremy/Wiki Commons
(Foto: Jeremy/Wiki Commons)

Dentro daquela saudável, ingênua e por vezes necessária perspectiva do consumo de bobagens da indústria cultural, virei fã dos programas americanos de automóveis. Daqueles em que mecânicos descobrem antigos carros em paióis, desertos e pântanos e fazem algo muito próximo da magia, trocando a ferrugem e a podridão por cores e acessórios fantásticos ou despudoradamente cafonas.

A beleza, para mim, reside na fusão entre a indústria e a artesania expressa no trabalho com aço, matéria-prima que um dia abrigou, sob a mesma capa arquetípica, o xamã, o ferreiro e o alquimista. Esses artesãos são sensacionais e suas obras superam vivamente as chatices que também fazem parte do roteiro dos programas, como as piadas imbecis, os “draminhas” coadjuvantes e a fixação monomaníaca pelo lucro.

Pessoalmente (herança de uma infância colecionando e detonando carrinhos de ferro Matchbox), sou fascinado pelo que a sociedade americana convencionou chamar de “muscle cars”, aqueles carros grandões com motores gigantes e nomes chauvinistas como Judge, Road Runner, Thunderbird e Barracuda, que deixavam as fábricas de Detroit entre o início dos anos 60 e a segunda fase da Crise do Petróleo, em 1973.

Virei fã dos programas em que mecânicos descobrem antigos carros em paióis, desertos e pântanos e fazem algo muito próximo da magia.

Eram carros dotados, enfim, de um antropológico senso de exagero e uma energia vital que, nos tempos ambientalmente mais sensatos que se seguiram, viraram os fósseis redivivos que animam a programação. Pois esses monstros mecânicos ocupam boa parte dos tais programas de tevê, junto com velhas caminhonetes (outra vertente da cultura automotiva nostálgica), fordecos e carros europeus esportivos ou de luxo caros só de olhar.

Depois que essa frota cruzou a rua, catequizam certos especialistas, pouco foi feito que merecesse lugar na forja de Hefesto (mesmo porque, hoje, boa parte dos carros é de plástico) ou nas grandes celebrações sobre rodas. Exceção feita, mesmo, só às motos Harley-Davidson, que entram meio de lado nesta conversa por causa de seu número reduzido de rodas.

Como os “muscle cars” foram produzidos aos milhões, ainda não há questionamentos quanto à limitação do mercado. Ano a ano, porém, os sobreviventes ficam mais caros e desejáveis, um sinal de que a fonte não é infinita. Na medida, porém, em que a criatividade humana nunca acaba, é bem possível que, no futuro, até mesmo os atuais “carros mundiais”, tão arredondados e desprovidos de testosterona, ganhem seus próprios programas televisivos de restauro. Para este cronista, que sonha com bestas de aço enquanto dirige seu próprio carro de plástico, um “simples” Pontiac GTO 1971 seria uma bela pedida. Aceito doação.

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