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Rodrigo Wolff Apolloni

A lição dos doces d’antanho

 | Mufi69/Creative Commons
(Foto: Mufi69/Creative Commons)

Acesso o site da Deutsche Welle em busca de análises mais equilibradas das coisas do mundo. Depois de descobrir o que a razão germânica pensa a respeito de temas como a política brasileira, a crise síria, os refugiados na Europa e os ganhadores do Prêmio Nobel, chego à seção de curiosidades alemãs. Lá, em uma matéria sobre doces nacionais (no idioma de Goethe, até as sobremesas soam trovejantes), reencontro aquele humor rascante com que, na infância, era brindado às vezes por meu avô.

No sul da Alemanha, a sobremesa que conhecemos por “bolinhos de chuva” ou “sonhos de pobre” atende pelo glorioso nome de nonnenfürzle – “puns de freira”, para ficar na tradução amigável. Irreverência pura: um nome anticlerical e escatológico, mas, no contexto do açúcar e da confeitaria popular, estranhamente simpático, risonho e infantil.

Esse momento de serenidade à mesa também pode valer como lição para nosso próprio tempo

Crente na “hipótese romântica” de que somente a Alemanha poderia ter engendrado um nome como esse – no contexto, sei lá, das guerras religiosas do início da Idade Moderna –, comento o fato com uma amiga que é especialista em confeitaria. Ela saca uma enciclopédia culinária da estante e, em questão de minutos, demonstra que o mesmo nome é aplicado aos bolinhos na França (“pet de nonne”), na Hungria (“apácafing”) e no arquipélago de Açores. “Se há ovos, farinha de trigo e freiras, meu filho, haverá bufas de freira, especialmente nos dias de chuva!”, decreta, arremedando um péssimo sotaque português.

Volto para casa e para a crônica recuperando outros nomes estranhos da culinária universal. Há os absolutamente rudes, como os carnívoros “vó morta”, “cocô de elefante” (alemães, ambos) e “perigoso na racha” (português), por exemplo. Há os engraçados, como “mané pelado” e “cueca virada”. E há aqueles, os que mais me fascinam, que estabelecem uma conexão simbólica entre o sublime e o corpóreo possível apenas a partir das papilas gustativas.

Nomes impossíveis hoje, quando o patrulhamento permanente enfia todas as intenções no mesmo saco, mas estranhamente factíveis há um ou dois séculos, quando as sociedades eram mais tradicionais e estavam sujeitas ao peso institucional percebido por Durkheim. Pois era justamente em meio a todo o rigor da tradição que, na fronteira de paz e prazer da sobremesa, as freiras podiam bufar, as moças babar, os anjos mostrar o papo e o céu produzir fatias dulcíssimas de toucinho. Momento de serenidade à mesa, enfim, que também pode valer como lição para nosso próprio tempo.

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