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Foi noutro dia que me dei conta, ao escutar minha própria voz e seu eterno retorno a certos termos, de o quanto gosto de palavras de origem africana. Com suas muitas “embas”, “imbas”, “fifes” e “fofos” que produzem um arredondamento no falar, um sopro vital e uma elegância desconhecidos por celtas e latinos.

Encafifado, fui à internet e descobri que até mesmo vocábulos que eu julgava desprovidos de uma venerável história transatlântica, como “birita” (cachaça ou gole de cachaça) e “bitelão” (derivação hiperbólica de “bitelo”, “grande”), chegaram e se criaram aqui há pelo menos quinhentos anos, na esteira dos navios negreiros. “Encafifado”, aliás, também entra na conta das belezas africanas, mas ligeiramente modificado. Se entre nós indica perplexidade, antigamente (e talvez ainda hoje, no outro lado do mar), por meio de “cafife”, identificava uma pessoa particularmente azarada, o famoso “pé frio”.

Foi então que reencontrei um termo que só não uso mais pelo risco de eventuais confusões na recepção: “malungo”, com que fui brindado uma vez em uma entrevista com o violeiro baiano Xangai, o melhor intérprete das composições do extraordinário Elomar. “Malungo”, que em bom quimbundo significa apenas e tão somente (e tudo isso) “amigo” ou “irmão de jornada”.

Palavra que não se confunde com “maluco”, cuja origem daria um tratado ou um romance, já que pode ter nascido do próprio quimbundo, do latim (“malus”, “mal”, “enfermidade”) ou até da briga feroz entre os portugueses e os nativos das ilhas Molucas, na Indonésia, nos idos de 1570. Ou, coisa interessante, do árabe, uma vez que as Molucas ganharam seu nome atual por volta do século X, quando navegadores muçulmanos chegaram lá e as batizaram de “Ilha dos Reis” (“Almuluk”). De monarca a maluco, em síntese, a história vai longe.

Outro genial vocábulo de origem africana é “furdúncio”, sinônimo tanto de festa quanto, em terras brasileiras, de briga generalizada. Poucas palavras, tenho comigo, guardam tamanho poder sinestésico: é ouvir “furdúncio” e ver coisas rodando até cair, tamancos voando, navalhas e rabos-de-arraia. De leve.

A lista de joias vernaculares afro-brasileiras vai muito mais longe. Para ficar em algumas, apelo a “camundongo”, “cafofo”, “tunda”, “capenga”, “fuleiro”, “xodó”, “tribufu” e, é claro, o clássico dos clássicos: “bunda”. Todas, em segredo, nutrindo o falar ligeiro da metrópole e trazendo ao presente uma tonelada de beleza – basta escutar com um pouco de atenção para perceber.

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