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Rodrigo Wolff Apolloni

A máquina que lê pensamentos

Não foi sem aquele desconforto básico que li, por esses dias, uma matéria sobre projetos que buscam desenvolver tecnologias para ler pensamentos. Melhor se fosse apenas o delírio de um gênio do tipo “vilãododesenhodoJonnyQuest”, mas não é. Neste exato instante, há cerca de duzentos pedidos de patente de aparelhos leitores mentais em tramitação só nos Estados Unidos, e o número deve aumentar até o final do ano. Entre os maiores solicitantes estão a Microsoft e o Instituto de Pesquisas Nielsen.

A ciência ingressa nos limites da Terceira Lei de Clarke, que preceitua que uma tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia

O trabalho passa pelo aprimoramento de ferramentas já existentes de leitura dos padrões cerebrais, coisas como scanners, substâncias de contraste e softwares de decifração. No momento em que esse aparato começa a acessar estados mentais não verbalizados, a ciência ingressa nos limites da Terceira Lei de Clarke, que preceitua que uma tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.

Uma possibilidade: imagine, por exemplo, que certas áreas do cérebro brilhem no scanner quando a pessoa deseja comer goiabada cascão. Ao captar esse sinal, a máquina leitora (que, podemos conspirar, está escondida no smartphone ou no aparelho de tevê) passa imediatamente a exibir propagandas ligadas ao objeto de desejo, fisgando o cristão de forma irremediável.

Ao invés de apenas “ler” a mente, portanto, a tecnologia teria a capacidade de antecipar-se à percepção consciente, pela pessoa, do próprio desejo. Com a resposta em mãos, o operador da máquina ganharia uma formidável vantagem estratégica.

A coisa só não preocupa mais, pelo menos no atual nível de pesquisa, porque a ciência ainda tem dificuldades em tornar a leitura mais sutil. De repente, uma mesma área do cérebro brilha por desejos açucarados diferentes – goiabada, cuque de banana ou bolo de fubá –, e a máquina não tem condições de devolver uma propaganda 100% precisa. Ou, então, a complexidade do cérebro é tamanha que, para certos indivíduos, a porção neural normalmente associada ao amor pelos doces responda por outros desejos, de salgados, azedos ou (coisa louca) carrinhos Matchbox, por exemplo.

Mais do que tudo, porém, a excelência das máquinas leitoras de pensamentos esbarra no desafio de desfiar a tonelada de pensamentos que produzimos todos os dias, organizá-la e desprezar aquele oceano de tolices e inutilidades que é o grande produto de nossa atividade mental. Por um bom tempo, portanto, estaremos salvos – amém.

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