É desafiador ser cronista nesses tempos agudos. Não por falta de assunto: é reconfortante ter à mão um iceberg temático como a crise política, assim como a possibilidade de expor as próprias opiniões a um público maior que o dos amigos na rede social. Ainda assim, ando um tanto quieto, inclusive no Facebook, e já fui até chamado de covarde ou entreguista por isso. Como, então, alguém insiste em falar de literatura ou de peculiaridades curitibanas quando o país está pegando fogo?

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É aí que reside meu ponto. Em determinado plano, também trato de política: a das relações pessoais, do oi no elevador e do café na padaria. Ajo por um esforço de resfriamento diante de uma cacofonia que, no mais das vezes, expressa uma ira santa e justificável, mas que pode arrastar consigo o que existe de mais precioso em uma sociedade – a própria sociabilidade, o querer estar com o outro.

É necessário estar atento para que a raiva que brota da indignação não encubra a razão da qual nasce a própria indignação

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Que dizer, por exemplo, de campanhas como a que testemunhei no Facebook na semana que passou, orientando as pessoas a banirem de suas listas de amigos aqueles contatos que manifestam opinião política contrária à sua? Quem não vota comigo, então, não é meu amigo; se não é meu amigo, é um estranho, um potencial inimigo – isso, a despeito de compartilharmos o trabalho, a faculdade ou o futebol nas tardes de sábado. O ódio começa aí.

E o que dizer daquele seu amigo gentil que, na internet, se transforma em alguém que usa argumentos estranhos – racistas, sexistas, de divisão de classes ou de divisões geográficas – para expor sua opinião favorável ou contrária à manutenção do governo? Pior: o que falar, então, para aquela sua amiga querida que, a despeito de possuir um olhar político que é o exato oposto do seu, se manifesta com dor e tristeza verdadeiras com o que considera uma enorme injustiça? Já sei: vou tentar convencê-la de que é uma imbecil e de que seus valores são distorcidos – e, provavelmente, farei com que fique ainda mais triste.

É ingenuidade acreditar ser possível fazer revolução falando baixo ou antecipando a discussão de temas “frios” como as eleições municipais (que ocorrem em seis meses) ou a rediscussão do pacto federativo, algo que nos assombra desde os tempos de Floriano Peixoto. Ainda assim, em alguns momentos é necessário fazer um exercício de afastamento. No mínimo, é necessário estar atento para que a raiva que brota da indignação não encubra a razão da qual nasce a própria indignação. Como não sou especialista em nada, tento contribuir com amenidades. E, mesmo assim, acabo tragado pelo momento político. Segue a nau.