Encontrar velhos amigos e conhecer coisas novas, já dizia Confúcio, estão entre as melhores coisas da vida. Voto com o relator. Se nas últimas semanas não reencontrei velhos amigos, pelo menos conheci um bocado lendo A Primeira Guerra Total, livro do historiador David Bell, professor de Princeton que é craque em história francesa. O foco é a evolução dos exércitos e da guerra, mais exatamente a partir da Revolução Francesa e de Napoleão Bonaparte, personagem nativo de uma ilha que só passou a fazer parte da França em 1768. Pois a Revolução e o gênio corso, segundo David Bell, conseguiram subverter tudo o que estava assentado havia séculos no imaginário marcial europeu, a começar pela ideia psicologicamente interessante de que a guerra deveria ser o mais aristocrática e simbólica – e menos letal – possível.
Ao investir no patriotismo, os revolucionários franceses simplesmente reconstruíram o conceito de nação, trazendo-o à modernidade; ao quebrar os velhos padrões de recrutamento e promoção ao oficialato, forjaram uma força militar pautada na coragem e na competência, o que criou um diferencial completo em relação aos exércitos do Ancien Régime que misturavam mercenários, soldados maltrapilhos e oficiais mais preocupados com as mangas bufantes do que com os tiros de canhão.
Napoleão só não conseguiu vencer a velocidade do gênio humano
Quando essa força entrou em campo, gerou uma segunda revolução, a tal “primeira guerra total” a que se refere o autor. Que, para além de sua crueldade – em termos sintéticos, guerra total é a movida contra todos os elementos de um inimigo –, foi a responsável por grandes transformações geopolíticas no mundo. Basta pensar que o Brasil só é o que é porque os exércitos napoleônicos conseguiram a façanha de fazer com que toda uma casa imperial cruzasse o Atlântico numa correria dos diabos.
Quanto a Napoleão Bonaparte, sua genialidade pode ser atestada de diferentes maneiras, inclusive pelo número de malucos que, nas décadas que se sucederam à sua morte na ilha de Santa Helena, pipocavam pela sociedade francesa garantindo que eram o imperador. Segundo David Bell, na década de 1840 o número de “napoleões” recolhidos aos sanatórios franceses só foi menor que o de aspirantes a Jesus Cristo.
Napoleão só não conseguiu vencer a velocidade do gênio humano, que aprendeu as novidades muito rápido, adaptou-as a seus próprios interesses e deu um salto à frente em Waterloo. Também não venceu – e, nisso, também inaugurou um dado da pós-modernidade – as guerrilhas de viés nacionalista (como a da Espanha), que, segundo David Bell, minaram o império. E o resto é a própria história do mundo desde então.