Não manjo nada de Harley-Davidson. Não tenho dinheiro para adquirir uma. Se tivesse, talvez comprasse uma bem marcada pela pátina do tempo. Pelada, fosca e com alguns amassados. De preferência, da década de 40, motor vibrando que só a forja de Hefesto. Uma moto cara disfarçada de barata, para curtir com aquele sorriso de “vocês não fazem ideia do que eu tenho aqui”. A moto do bandoleiro de filme que nunca fui.
O fato é que nem sou tão fã assim das Harleys, mas, como muita gente, tenho minha Harley dos sonhos na ponta da língua. É o tipo de produto da sociedade industrial que daria um excelente objeto de investigação por filósofos da vida metropolitana. Imagino o que diriam Georg Simmel ou Walter Benjamin se pudessem testemunhar o senhorão que vi outro dia cruzando a Batel com uma Harley tinindo de tão nova. Ou, então, como interpretariam as comitivas de motociclistas uniformizados em couro e subindo a Serra Dona Francisca em dias de sábado.
A grande sacada, desconfio, reside no fato de as motos de Milwaukee se situarem no exato limite entre o industrial e o privado
Pessoalmente, em uma leitura inspirada por Simmel, penso que o sucesso das Harleys se deve não apenas à publicidade que, ao longo das décadas, as converteu em um símbolo de liberdade heterossexual desafiadora e meio suarenta. A grande sacada, desconfio, reside no fato de as motos de Milwaukee se situarem no exato limite entre o industrial e o privado. Como são produzidas em larga escala, geram uma afiliação coletiva – reunindo o dinheiro suficiente, você pode entrar para o grande clube. Por outro lado, têm um gigantesco potencial de personalização ou customização, que vai da retirada de peças consideradas excessivas às transformações caríssimas que vemos nos programas da tevê a cabo. Um objeto situado entre dois mundos, ao mesmo tempo compartilhado e pessoal, uniforme e multiforme.
A mesma condição, em princípio, não valeria para outras motos que não custam tão caro, que não acumulam o mesmo capital simbólico ou que não são produzidas em número suficiente para associar um grupo expressivo de pessoas. É por isso, por exemplo, que as motos Indian, a despeito de seu preço, beleza e história, não arregimentam fãs-proprietários em tamanha quantidade. E o que dizer, então, das motos de corrida italianas, das poderosas e comportadas BMW, dos foguetes nipônicos e das máquinas nórdicas de trilha? Desconfio de que não concentrem a magia totêmica das Harleys porque não reúnem o mesmo potencial de personalização.
Minha voz, porém, é a de um ciclista que vibra (literalmente) ao descer a ciclovia do Tingui a 45 km/h. A discussão filosófica está aberta.
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