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Em toda a natureza, até onde sei, são apenas duas as espécies colecionadoras. A primeira é a dos corvos, que coletam e guardam objetos brilhantes por motivos que intrigam os cientistas. A segunda é a dos humanos, que reúnem e organizam praticamente de tudo, de saleiros a carros de luxo.

Eu mesmo, quando criança, colecionava aqueles cofrinhos do Banestado em forma de porco; reunia também selos e moedas, o que fazia dos passeios de meus pais à feirinha de domingo um verdadeiro desafio. E, se hoje não coleciono nada, é provavelmente porque minha mente está preparando algum interesse esotérico. Carimbos chineses de pedra, quem sabe... melhor mudar de assunto.

O grande mistério é saber por que as pessoas procuram, guardam e veneram objetos de um mesmo tipo; por que trocam sua finalidade material por outra, simbólica, que faz com que uma boneca jamais saia de sua caixa original para ficar invicta no armário do velho advogado. A pergunta é menos inocente do que poderíamos imaginar, inclusive porque envolve os bilhões de dólares que, a cada ano, trocam de mãos em feiras, convenções e sites especializados.

O grande mistério é saber por que as pessoas procuram, guardam e veneram objetos de um mesmo tipo

Para Walter Benjamin, a coisa não passaria propriamente pelo objeto, mas pelo impulso energético – o “último estremecimento”, nas palavras do autor – vivido pelo colecionador no exato momento em que a peça é adquirida. Enquanto o cofre-porco do Banestado está distante, eu ardo por sua ausência; no momento em que convenço seu proprietário a transferi-lo para a minha esfera de domínio, vivencio a suprema alegria. Em casa, o cofrinho irá repousar, sublime, na “estante dos porcos”. Ele será adorado – menos, porém, que o porco que ainda não tenho. E a energia circula pelo mundo.

Mais peculiar, mesmo, só a configuração do vendedor, personagem que possui evidente estima pelos objetos, mas que consegue se desprender de sua posse. É, imagino, o sábio verdadeiro: sua coleção é a mais dinâmica, a mais rica, e ele ainda tem a possibilidade de sobreviver graças à paixão que seus itens despertam. Nada, porém, que não exija anos de vivência, estudo, persuasão e superação do desejo de guardar coisas por uma razão misteriosa. Se ele coleciona alguma coisa, são os próprios colecionadores, seus objetos de estima, busca e dedicado cultivo. E a energia, enfim, segue circulando pelo mundo.

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