Você está navegando por um lago e de repente vê um velho tronco, pelado e lúgubre – cara de tronco pelado e lúgubre de desenho da Disney –, emergindo das águas. Ele está lá, como um dedo monstruoso apontado para o céu, denunciando, quem sabe, a má ação humana no represamento de um rio. Só que esse tronco é diferente: na verdade, ele não está preso ao solo do fundo do lago, mas, contrariando uma multissecular “física da madeira”, boia sobranceiro na posição vertical. E, justamente por não fixar raízes, caminha pelo lago sem parar, quilômetros a cada ano, algumas vezes (para assombro dos navegantes) contra o vento. Com o tempo, ganhou até um apelido: “Velho Homem do Lago”.
Deixando a humildade na gaveta das meias, o parágrafo acima bem poderia ser o primeiro de uma história de J.R.R. Tolkien. Talvez passasse como tentativa de literatura fantástica, não fosse um detalhe mais jornalístico do que literário: ele narra a verdadeira história de um tronco flutuante que, como leio em uma reportagem recente da BBC, há 120 anos tem sua trajetória vertical lacustre acompanhada pelos cientistas.
Contrariando o comportamento de seus congêneres, esse tronco não flutua na horizontal
O “Velho Homem do Lago”, que circula pelo lago Crater, no Oregon, foi objeto de uma primeira anotação acadêmica no ano de 1896 e, desde então, é estudado por botânicos, geólogos e ecologistas intrigados pelo fato de que, contrariando o comportamento de seus congêneres, ele não flutua na horizontal. Independentemente da estação do ano, ele estará em algum lugar por lá, nove metros de madeira em pé, dos quais um sexto acima da linha d’água.
Com todo o cuidado, os pesquisadores extraíram algumas lascas, cujo DNA mostrou que o tronco possui cerca de 450 anos. Ou seja: descontado o período de crescimento normal de uma tsuga – provável espécie a que pertence o “Velho Homem do Lago” –, é bem possível que sua caminhada pelas águas tenha começado bem antes.
Quanto à conservação da madeira, a explicação está no próprio lago Crater, que abriga uma biota digna da Lua, ou seja, pobre de fazer dó. Longe das bactérias, fungos, cracas, brocas e outros bichos, a madeira ficou lá, uma espécie de “múmia úmida”. E, como também nenhum imbecil resolveu içá-la para fabricar lembranças do lago ou apresentá-la em um circo de aberrações, sobreviveu e virou atração turística.
A despeito da antiguidade dos estudos, não se chegou a nenhuma conclusão. Bem à moda de Tolkien, aliás, imagino que, se um dia o mistério for descoberto, o velho tronco há de se deitar para o sono eterno. Que viva, então, por mil anos!