Do alto de seus 16 anos, a estudante Ana Júlia Ribeiro ainda tenta entender a guinada que sua vida deu em menos de 24 horas. Na quarta-feira (26), a jovem miúda e de olhos brilhantes não se intimidou diante dos deputados e, em plena Assembleia Legislativa do Paraná, fez um pronunciamento emocionado em que defendeu as ocupações dos colégios estaduais. O discurso viralizou na internet, trazendo os holofotes sobre a si e sobre o movimento estudantil. Ainda impressionada com a repercussão, Ana Júlia parece longe de reivindicar qualquer status de destaque ou de liderança. Afirma que quer apenas dar voz aos discentes. A repercussão do discurso rendeu até uma ligação do ex-presidente Lula. A jovem agradeceu o apoio, mas não quer que sua fala seja vinculada a partidos políticos.
“Eu estou orgulhosa de saber que os estudantes se sentiram representados”, disse. “Não, pelo amor de Deus, não quero ser líder de nada. Temos que ir com calma. A pauta, o movimento é muito mais importante”, acrescentou.
Ana Júlia recebeu a Gazeta do Povo, na tarde desta quinta-feira (27), no Colégio Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães (Cesmag), nas Mercês, que está ocupado. A jovem que suspira pelas disciplinas de ciências humanas – principalmente filosofia e sociologia – participa do movimento desde que a escola foi tomada, há pouco mais de uma semana. Frequenta os debates, aulões e oficinas diversas, que são promovidos por voluntários. Acredita no movimento como forma de protestar contra a reforma do ensino médio, proposta pelo governo federal.
“A medida provisória [que prevê a reforma do ensino médio] não vai ser a melhor coisa pra gente. Nós queremos um canal de diálogo, para que a gente possa participar dessa construção”, disse.
Filha de uma professora municipal e de um advogado, Ana Júlia é curitibana e cresceu no bairro Santo Inácio. Desde cedo, a menina doce, mas de opinião, demonstrou interesse pela leitura. Aos 12 anos, devorou “O Mundo de Sofia”, que lhe ampliou os horizontes e mudou sua forma de pensar. Desde então, tem sido incapaz de ficar indiferente à dor dos outros. No ano passado, por exemplo, participou de uma missão de um grupo de jovens da Igreja Católica, em que foram a uma comunidade marcada pela pobreza em Montes Claros, Minas Gerais. A expedição ajudou a reforçar suas convicções.
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“Eu tive certeza de que o Brasil precisa muito de mais políticas públicas”, resumiu. “Apesar de tudo, aquelas pessoas eram muito receptivas, dispostas a dividir o que tinham”, contou.
A aluna sonha em cursar Direito, principalmente por causa de um tema específico: direitos humanos. Aponta que quer lutar para desfazer mitos, como o que prega que “bandido bom é bandido morto”. “As pessoas dizem muito as coisas, mas sem saber. Parece que ninguém está interessado nas causas [dos problemas sociais]. Eu espero que esse movimento também façam com que elas reflitam mais”, pontuou.
Apartidarismo
Postado no Youtube e nas redes social, é praticamente impossível saber quantas vezes foi replicado. Assista ao discurso da estudante abaixo. Diante da repercussão, a estudante destaca que o movimento não tem vínculo com partidos políticos ou outras agremiações. Aponta que a mobilização é horizontal, múltipla e que pertence aos estudantes: não há uma liderança. Refuta qualquer hipótese de os alunos serem induzidos por professores.
“Essa história de doutrinação chega a nos ofender. Tudo aqui é discutido, debatido. Não somos vazios”, apontou. “Somos apartidários. Não temos lado. Aqui, mesmo [na ocupação], tem gente de direita, de esquerda. A nossa única bandeira é a educação”, ressaltou.
Entre as personalidades que compartilharam o conteúdo, está a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e chegou a receber um telefonema do também ex-presidente Lula (PT). Ela agradece pelo apoio, mas demonstra cautela: teme que alguém tente vincular o movimento a algum partido. “Eles [Dilma e Lula] tem o direito de compartilhar o vídeo. Eu não posso intervir nesse direito de manifestação deles”, ponderou.
Em um dos trechos mais comentados do discurso, Ana Júlia diz que os deputados “estão com as mãos sujas de sangue” pela morte do estudante assassinado dentro de uma escola ocupada. Após intervenção do presidente da Assembleia, deputado Ademar Traiano, que disse que não aceitaria acusações contra os parlamentares, a jovem emendou a tréplica: argumentou que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a responsabilidade pela educação é da sociedade, dos pais e do Estado.
“Eu já ia explicar, falar do ECA, mas ele [Traiano] interrompeu, ficou nervoso. Acho que isso chamou mais a atenção”, observou.
Ocupação
Ana Júlia participa da ocupação desde que o colégio foi tomado, há pouco mais de uma semana. Como o irmão dela também estuda no Cesmag, de cara, toda a família acabou se integrando ao movimento. A mãe chegou a dormir com os estudantes por três noites seguidas. No último fim de semana, o pai foi à escola para preparar um almoço aos alunos.
“No primeiro dia [de ocupação] eu vi um vídeo na internet, aqui da ocupação. Era um discurso improvisado, mas muito forte, claro. Eu pensei que fosse uma professora. Fui ver e era a Ana Júlia”, disse o pai da menina, o advogado Júlio César Pires Ribeiro.
Como pauta específica, os estudantes reivindicam a inclusão de artes (restrita ao 2.º ano) e de história (restrita aos 1.º e 3.º anos) em todo o ensino médio. O pai de Ana Júlia chegou a sugerir à estudante que se transferisse para um colégio particular. Ela negou.
“A Ana Júlia me disse: ‘Pai, esse é meu colégio. É essa realidade que eu tenho que mudar’. Ela acredita muito nisso, de que a gente pode transformar a realidade. E a gente pode mesmo”, disse Pires Ribeiro.
Antes de dar a entrevista por encerrada, este repórter perguntou se ela gostaria de responder sobre algum tema que não havia lhe sido questionado. Ela respondeu: “Eu só queria que o movimento aparecesse mais. A gente falou muito sobre mim, mas o movimento é mais importante”, finalizou.