O Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce) de Curitiba exumou na manhã desta sexta-feira (29), um corpo que estava enterrado no Cemitério Parque São Pedro, no bairro Umbará, para a realização de um exame de DNA. Uma investigação do Nurce levanta a suspeita de que o cadáver estaria sepultado com uma identificação falsa, que teria sido forjada pela mulher da falsa vítima para receber cerca de R$ 350 mil de uma seguradora.
De acordo com informações do Nurce, os detalhes do golpe começam em outubro de 2003, quando a mulher que é investigada fez um seguro de vida em nome do marido. No dia 20 de agosto de 2005, o segurado desapareceu. Nesta mesma data, houve a entrada de um homem sem identificação no Hospital São José, de São José dos Pinhais, com ferimentos por arma de fogo e facadas. Esse paciente morreu dois dias depois da internação.
O corpo foi encaminhado ao IML, onde permaneceu até o dia 7 de outubro de 2005, quando foi enterrado como indigente. Neste período, a família do cliente do seguro já tinha ido ao IML a procura dele, mas não tinha reconhecido nenhum dos corpos classificados como indigentes, uma vez que ele tinha tatuagens, contou o delegado Sivanei de Almeida Gomes à Estadual de Notícias (AEN). No laudo de necropsia do corpo que foi enterrado não constava a presença de tatuagens e também não apontou os ferimentos à faca que o hospital havia informado.
Quase dois anos depois, em setembro de 2007, um funcionário do IML formalizou um termo de reconhecimento do indigente como sendo o segurado. "Durante este tempo, também apareceu um laudo necropapiloscópico (laudo de impressões digitais), com data de 27/09/2006, alegando que as digitais do indigente pertenceriam ao desaparecido", relatou o delegado.
Com estes documentos, em julho de 2008, a suposta viúva deu entrada na Justiça para fazer uma retificação de óbito incluindo o nome do cliente do seguro. Em 2008 uma sentença favorável à mulher retificou a certidão de óbito. "Assim que esta sentença saiu, a suposta viúva deu entrada no requerimento do seguro para a seguradora, que, desconfiada, pediu uma investigação", disse Gomes.
Participação de funcionários
Segundo o delegado do Nurce, há indícios da participação de funcionários públicos no esquema. "Diante de várias contradições que cercam a história, não restou outra opção a não ser a exumação do corpo para exame de DNA, que poderá confirmar se é mais um golpe para o recebimento de seguro, possivelmente com a participação até mesmo de funcionários públicos", disse o delegado à AEN.
De acordo com a polícia, a exumação foi autorizada pelo juiz da Vara de Inquéritos Policiais, Pedro Luis Sanson Corat, e contou com a participação de policiais civis e médicos legistas do Instituto Médico-Legal (IML), além de um perito do Instituto de Criminalística, que realizou a coleta de material para a realização do exame de DNA. O material coletado será usado para confronto com material genético da mãe do homem identificado como sendo o morto, e o prazo para a divulgação do resultado determinado pela Justiça é de 15 dias. Contudo, Gomes acredita que o resultado só saia em 30 dias, em razão da alta demanda do Instituto.
O delegado afirma que há muitos detalhes ainda por esclarecer no caso. "Primeiro o fato de o laudo do IML não apontar tatuagens no corpo do indigente e a família afirmar que o desaparecido tinha tatuagens. Segundo por não ter sido constatada a tipagem sanguínea no prontuário médico do hospital", relatou. A essas contradições somaria-se ainda o fato de o hospital informar que a vítima apresentava marcas de faca o IML não apontar os ferimentos no laudo, e o de o exame necropapiloscópico aparecer somente um ano depois.
Além disso, segundo Gomes, no dia 6 de junho de 2007, após o suposto falecimento do cliente, a seguradora teria recebido um documento, em nome do morto, em que ele próprio comunicava sua mudança de endereço.
De acordo com a polícia, o exame de DNA vai comprovar se houve o golpe e a partir daí o processo de investigação vai continuar para descobrir quem estaria envolvido no esquema. "Esta é a terceira vez, em menos de dois anos, que o Nurce realiza uma exumação de corpo. As duas últimas resultaram na prisão de várias pessoas envolvidas em golpes milionários para recebimento de seguros, com participação, inclusive, de funcionários que atuavam no IML", lembrou o delegado.
Esquema
O golpe do qual o Nurce suspeita já foi aplicado em Curitiba em pelo menos duas ocasiões no ano passado. No mês de abril de 2008, um papiloscopista do IML foi preso acusado de vender o corpo de um indigente. Segundo a polícia, o comprador teria usado o cadáver para forjar a própria morte e aplicar um golpe no qual receberia US$ 1,6 milhão da seguradora norte-americana New York Life Insurance. O papiloscopista João Alcione Cavalli, 47 anos, ficaria com R$ 30 mil para atribuir ao indigente a identidade de Mércio Eliano Barbosa, 28 anos.
A denúncia desse crime foi recebida pela Justiça no dia 9 de maio de 2008. No dia 13 deste mês, quase um ano depois, portanto, Cavalli e outros três réus desse caso foram soltos pela Justiça. O processo, que tramita na 7ª Vara Criminal de Curitiba, aguarda mais diligências.
O mesmo funcionário teria auxiliado em outros casos semelhantes de simulação de óbito para o recebimento de seguro de vida. Odilon Lopes, de 61 anos, também teria forjado a própria morte em junho de 2007, utilizando um corpo que seria de Antônio de Souza, vítima de um atropelamento no dia 16 de maio de 2007. Em junho de 2008, outras três pessoas foram presas acusadas de participar do mesmo esquema.
No resumo desse caso, disponível na página na internet do Tribunal de Justiça do Paraná, não consta a soltura dos três réus. O processo tramita na 2ª Vara Criminal e também aguarda diligências.
O caso de maior repercussão do ano passado foi o da médica Lubomira Veronika Oliva, acusada de retirar órgãos e tecidos de corpos no IML. A suspeita foi presa em flagrante, de posse de vários órgãos no porta-malas do carro no dia 17 de julho de 2008. Ela foi indiciada no inquérito policial 021/2008 do Nurce pelo crime. A investigação foi repassada ao Ministério Público no dia 9 de janeiro. O caso está parado na Vara de Inquéritos Policiais desde então.
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