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Discussão

Corte de água, luz e comida em ocupações revela tática extrema de negociação

 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
(Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo)

O processo de desocupação de escolas e prédios públicos tomados por estudantes contra a reforma do ensino médio gerou polêmica nesta semana. No Distrito Federal, um juiz determinou o corte no fornecimento de água, energia elétrica e gás de um colégio em Taguatinga – e os manifestantes ainda poderiam ser privados do sono, caso não saíssem. No Paraná, a Polícia Militar (PM) fechou o acesso ao Núcleo Regional de Educação (NRE), impedindo a entrada de comida. Água e eletricidade também foram cortadas. A estratégia usada nos dois locais dividiu juristas e especialistas consultados pela Gazeta do Povo.

Dois especialistas ouvidos pela reportagem ponderaram que a estratégia, embora incomum, não foi inadequada e não houve violação de direitos. Outros dois apontaram que as medidas adotadas em Curitiba atentaram contra a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conflito de direitos

Para o professo de Direito Constitucional da Universidade Positivo, Carlos Luiz Strapazzon, não houve violação de direitos. Ele sustentou que a medida adotada pela PM do Paraná não foi inadequada, porque havia conflito de dois direitos: o de livre manifestação (dos estudantes) e o de livre funcionamento do prédio público. O especialista considera que não houve violência física desproporcional por parte do Estado.

“É uma medida um pouco mais dura e severa, mas não me parece o caso de [ter havido] violação de nenhum direito de manifestação civil e política. Inclusive, não houve uma ordem de dispersar a manifestação, que é tipo de administrações autoritárias. Tanto que o protesto prosseguiu nas ruas do entorno assim que os estudantes saíram do prédio” apontou.

Strapazzon ressaltou que situações como as vividas nas centenas de escolas ocupadas em todo o país exigem o uso proporcional do Direito. “Quando há choque desses dois direitos, a única resposta errada é a de que apenas um dos lados tem razão. É preciso muita prudência para que, na intenção de proteger um interesse, não se restringe os demais interesses”, afirmou. Ainda assim, ele considera que a PM só deveria ter agido, caso houvesse um pedido formal dos órgãos afetados pela ocupação.

Incomum, mas necessário

O ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel José Vicente da Silva Filho, ponderou que o fato de a ação da Polícia Militar ter ocorrido antes que houvesse uma ordem judicial não é algo comum, mas que deve ter sido considerada necessária.

“A PM trabalha de acordo com a lei. Quando ela desliga a energia, por exemplo, precisa saber que possíveis repercussões isso terá. Por isso é importante que o Estado tenha uma posição clara sobre o assunto. Em São Paulo, um parecer da Procuradoria Geral entendeu que a reintegração tem de ocorrer independentemente de ordem judicial. A invasão de um prédio público traz implicações para a prestação de serviços”, argumentou.

Na tarde desta quinta-feira (3), a Gazeta do Povo enviou um pedido de entrevista à PM do Paraná, mas até a publicação desta matéria a solicitação não havia sido atendida.

Técnica pode configurar crime

O advogado Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas e da PUC de São Paulo, ponderou sobre a aplicação da legislação. “Primeiro, que as pessoas têm de estar a salvo de qualquer tratamento desumano e degradante; e, segundo, que o artigo 277 [da Constituição] garante tratamento com prioridade absoluta à criança e ao adolescente. Privação de sono e de água é violência psicológica”, disse.

Na avaliação do advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, a PM poderia impedir outros ocupantes de entrarem ao prédio, mas não poderia jamais ter cortado a água e a luz do prédio ou barrar alimentos. Por isso, ele considera que o governo cometeu crime de maus tratos – definido pelo artigo 136 do Código Penal.Caberia ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público denunciar a prática e ingressar com uma ação.

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