Com as denúncias sobre a máfia dos radares em todo o país, reveladas pelo programa Fantátisco, há uma semana, algo que os brasileiros já desconfiavam tomou forma concreta: a existência de uma indústria de multas. O que talvez poucos tenham se dado conta é que o debate e a polêmica, embora sejam de interesse público, podem provocar efeitos negativos no comportamento dos motoristas.
Essa, ao menos, é a opinião da coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, a psicóloga especialista em trânsito Iara Thielen. A autora da tese de doutorado intitulada "Percepção de risco e excesso de velocidade" teme que as denúncias criem uma falsa ideia de que os radares não precisam ser obedecidos, já que fariam parte de um sistema corrupto. Na opinião de Iara, pelo contrário, radar não é sinônimo de corrupção, mas de vidas que podem ser poupadas no trânsito. Leia os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.
Como fica a percepção e o comportamento dos motoristas diante das denúncias de irregularidades na operação dos radares em todo o país?
Embora essa denúncia em relação ao funcionamento desses sistemas seja interessante, parece-me que essa é uma discussão que não ajuda em nada o comportamento das pessoas no trânsito. Pelo contrário, ela cria a falsa sensação de que esse sistema é corrupto e que, por isso, não deve ser obedecido. Cria a ideia de que o controle do Estado sobre o comportamento dos infratores é uma coisa perversa, quando não é. Eu não quero que meu filho morra no trânsito porque não se obedece nada e a fiscalização não pode atuar porque tem um monte de gente em cima dizendo que ela não pode atuar. Do ponto de vista da segurança, esse tipo de discussão não serve para absolutamente nada. Esse tipo de debate é importante do ponto de vista do controle e investigação pela Câmara de Vereadores, mas o alarde que se faz em torno disso traz muito mais danos do que benefícios para a população. Eu não estou defendendo a adulteração do equipamento, mas eu estou dizendo que o radar é uma forma de controle que não discrimina. Ele pega todo mundo que passa por ali. E é uma forma de ter o controle de todos os veículos de fato. Agente de fiscalização não dá conta de tanta infração.
A crítica é em relação a como o radar está sendo usado pelo poder público...
Quando escutamos falar em indústria da multa, há quem fale: Colocam radar onde não precisa e isso precisa ser investigado. No meu ponto de vista, o poder público pode colocar radar onde quiser. Pode colocar um a cada cinco metros de distância do outro, por cem quilômetros, se ele quiser e tiver recursos para bancar isso. O infrator não tem de dizer onde tem que ficar o radar. Só existe o registro de infração porque o motorista abusou da velocidade. Não interessa se tem um radar, se tem dez ou se tem vinte. Para a pessoa que anda numa velocidade adequada tanto faz.
Essa polêmica pode prejudicar, então, o uso de um equipamento que pode salvar vidas?
Não é que pode [salvar vida]. [O radar] salva. Tem muito estudo que prova que, onde foi instalado radar, as mortes foram reduzidas drasticamente. É uma imposição ao comportamento dos próprios motoristas. Quando você entrevista os motoristas, eles mesmos dizem que a única coisa que os segura é ter mais fiscalização. A própria população infratora diz que a única maneira de controlar o comportamento dela mesma é com controle de velocidade. Os motoristas que normalmente não cometem infração e não têm multas também acham que é uma medida excelente.
A revolta sentida pelos brasileiros foi no caso de o radar punir alguns e não outros, como mostrou a denúncia...
Essa revolta só é gerada pelo infrator. Temos de inverter a discussão. O problema não é o radar, o problema é a infração. Se as pessoas querem acabar de vez com esse sistema de corrupção, é facílimo. É só parar de andar acima da velocidade. Em uma semana, se toda a população resolver andar na linha, você desmonta um esquema desse, acaba com a mortalidade decorrente de excesso de velocidade e sobra dinheiro no SUS [Sistema Único de Saúde] e leito de hospital na ortopedia e na traumatologia.
O que dizem esses estudos que comprovam a eficácia dos radares?
Daquilo que eu vi, inegavelmente o radar é um instrumento que vem para controlar o comportamento dos motoristas no excesso de velocidade. São várias experiências diferentes com o uso da fiscalização. Mas, todos eles mostrando a redução drástica no número de mortes nas rodovias ou vias onde esses equipamentos foram instalados. Em alguns países, ao invés de ter a multa, há um placar com o limite de velocidade da via e que mostra também a tua velocidade. Só esse aviso serve para a pessoa reduzir e entrar no ritmo da velocidade permitida para aquele local.
E o que diz o motorista infrator, de acordo com seus estudos?
Eles nunca admitem que pisaram demais no acelerador. Eles dizem que o poder público colocou o radar ali numa descida de sacanagem porque numa descida o carro já está automaticamente a mais de 60 km/h. Então, a culpa é do radar, não é dele que acelerou.
A senhora acha que os radares mudam efetivamente o comportamento do motorista ou só o fazem frear no local onde está o equipamento?
Temos visto que alguns motoristas só freiam no local. Mas também temos visto um aumento da quantidade de motoristas que se mantêm em uma velocidade compatível com a segurança. O pessoal começa a se dar conta, com esse número elevado de mortes, que é preciso conter essa escalada de violência. Mas quando o motorista freia só no local, ao menos já reduziu a velocidade ali.
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Interatividade:
Como as denúncias sobre os radares podem afetar o comportamento dos motoristas no trânsito?
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