Géssica Michelle dos Santos Pereira, 29 anos, ainda estava na faculdade quando um glaucoma tirou os 30% de visão que ainda lhe restavam. Após um ano de licença médica, levou mais quatro para concluir o curso de Engenharia Elétrica. Na última sexta-feira (7), ela se tornou a primeira engenheira eletricista com deficiência visual do país a concluir o mestrado.
Programa de computador foi fundamental para concluir o curso
Para terminar uma pesquisa de ponta na área de engenharia, Géssica Michelle dos Santos Pereira contou com uma grande aliada: a computação. Integrante de um grupo de discussão chamado Cegos Programadores, ela utiliza o recurso LaTeX para diagramar textos, gráficos e tabelas.
No mestrado, ela analisou dois aparelhos que são instalados em postes da rede elétrica de média tensão (entre 13,8 mil e 34,5 mil volts), para garantir sua eficiência. Os aparelhos são os tais bancos de capacitores e os reguladores de tensão. São eles que dão nome à dissertação: “Alocação de bancos de capacitores e reguladores de tensão em redes elétricas inteligentes desbalanceadas”.
Já a qualidade da energia é mais ou menos assim: milhares de volts saem das usinas e subestações energéticas, e tudo isso deve se converter em 127 volts na tomada da sua casa, com uma variação de 10% para mais ou para menos. Além disso, as três fases da rede não podem ter uma variação entre si superior a 2%. Se estas variações ultrapassam o limite, é um problema para a rede e para o usuário.
Por isso os mecanismos de qualidade são instalados. Mas eles têm um problema: são muito caros. É aí que entra o trabalho de Géssica, que calculou onde e como instalar os dispositivos para ter a maior qualidade possível de energia, sob o menor custo.
Ela pegou todas as variáveis, programou fórmulas e jogou num programa chamado MATLAB. Até rodar todas as combinações e cenários possíveis e necessários para gerar uma estatística com validação científica foram, por baixo, dois meses. Isso porque ela contou com a ajuda de um cluster, um sistema que une diversos computadores como se fossem um só, o que adiantou o processo.
O resultado é um trabalho impecável, do ponto de vista acadêmico, na opinião de sua orientadora, a professora Thelma Fernandes. “Ela é a mulher dos porquês, o porquê é um outro sentido, porque ela preciso de um entendimento, o que fez com que ela se aprofunde de uma maneira que ninguém se aprofunda”, conta “profe”, orgulhosa de uma das orientandas que menos deu trabalho a ela. “Ela é inteligente, responsável, dedicada, tem independência intelectual. Ou seja: tem todos os quesitos essenciais para terminar um mestrado”, conclui.
Em sua dissertação na pós-graduação de Engenharia Elétrica da UFPR, Géssica avaliou formas de aumentar a eficiência da energia entregue na casa das pessoas, ao menor custo possível para a empresa e para os consumidores.
O desafio começou antes mesmo da matrícula, quando Géssica passou um ano cursando disciplinas isoladas. Simultaneamente, trabalhava oito horas por dia na Copel. Depois, já aprovada para fazer a pós, teve de driblar as dificuldades para pesquisar fórmulas e gráficos para seus estudos, que normalmente estão em formato de figuras no computador. E os programas que traduzem textos para a linguagem sonora não reconhecem as formas gráficas.
O resultado foi que a turma toda se dividiu para ler em voz alta e gravar a descrição de cada gráfico, cada tabela estudada. Uma bolsista do programa chegou a ler uma dissertação inteira, que era crucial para a continuidade da pesquisa. “Só de colegas me ajudando eu conto de 20 a 30 pessoas”, conta Géssica.
Sensibilidade
Fazer as pessoas em seu entorno atentarem para a questão da acessibilidade tem sido uma regra na vida da jovem engenheira. Assim como ocorreu na universidade, ela conseguiu sensibilizar os colegas do antigo emprego e do Lactec, onde trabalha atualmente, que se mobilizaram para adaptar os ambientes às necessidades de Géssica – entre elas uma versão em braille nas placas indicativas das salas de trabalho.
Graduação
Géssica cursou a graduação no antigo Cefet-PR, hoje Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Ela ainda enxergava quando ingressou no curso, em 2003. Foi pioneira em tudo, e suas “políticas de acessibilidade” vieram antes até do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (Napne) ser fundado na instituição.
Uma tríade de professores sentou para elaborar uma estratégia quando ela voltou, em 2006, da cirurgia que tirou sua visão. Ficou definido que ela faria três disciplinas. “O plano era o seguinte: se eu conseguisse passar nestas matérias, então eu teria condições de fazer o curso”, revela. Com bastante esforço, Géssica conseguiu.
A faculdade fez contato com o Instituto de Cegos do Paraná, com a Secretaria de Estado da Educação (Seed) e trouxe o professor Rubens Ferronato, de Cascavel, para um workshop. Ferronato é o inventor do “multiplano”, dispositivo criado para possibilitar que pessoas com deficiência visual façam análises gráficas.
O tal dispositivo é uma espécie de chapa com diversos furos onde é possível colocar tachas e elásticos para formar gráficos. A própria UTFPR adquiriu multiplanos de vários tamanhos.
Por sorte ou azar, a engenheira encontrou apenas um professor que foi sua “pedra no sapato”. Ela conta que reprovou duas vezes na disciplina do docente, que, segundo ela, fazia questão de só passar o conteúdo em formato impresso.
“Ele simplesmente não aceitava minha presença em sala de aula. Teve até ocasiões em que eu dizia que não tinha entendido, e ele respondia ‘está no quadro, é só bater o olho’”.
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora