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Crime do tabaco

O patrão do tabaco

 | Fotos: Albari Rosa e Christian Rizzi / Gazeta do Povo
(Foto: Fotos: Albari Rosa e Christian Rizzi / Gazeta do Povo)
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O general Alfredo Stroessner perdeu o posto de entidade suprema do Paraguai em 1989, após 35 anos de corrupção, repressão, contrabando e tráfico de drogas. Comandante do exército, o general Andrés Rodriguez controlava o motor financeiro da ditadura: o narcotráfico nutrido pelos cartéis colombianos. Num golpe, Rodriguez depôs Stroessner e se apossou do país até 1993, ano em que um insólito empresário iniciava um negócio que viria a substituir o narcotráfico como catalisador do poder político. Não por acaso, 20 anos depois ele tomaria o lugar dos generais.

Maior expoente da vertiginosa indústria do cigarro destinado ao contrabando, Horacio Manuel Cartes Jara tomou posse na presidência do Paraguai em 15 de agosto de 2013. Era um modesto distribuidor de cigarros até abrir a Tabacalera del Este (Tabesa). O contrabando se revelou um bom negócio e as fábricas paraguaias saltaram de três, em 1993, para as atuais 32. Cartes impulsionou o setor e cresceu junto. Fez fortuna, ganhou a presidência. Mas ele não é só o presidente do Paraguai. É também o maior beneficiado pelo contrabando de cigarro.

A empresa de Cartes responde por 30% dos 67 bilhões de cigarros produzidos por ano no Paraguai, ou 3,3 bilhões de maços. Os paraguaios fumam só 2%. O resto assegura ao país o papel de provedor global de cigarro pirata. As cinzas do tabaco paraguaio se espalham por toda a América Latina. Nove rotas aéreas, marítimas e terrestres escoam o produto pelas vias do contrabando. Nas Américas, quase não há país livre do cigarro paraguaio, presente ainda na China e na Índia.

Os maus caminhos

As indústrias paraguaias tentam dar uma aparência legal às exportações, mas na maioria das operações a pretensa legalidade se perde pelo caminho. Seis dessas nove rotas usam três países da América Central para escoar o cigarro mundo afora. As cargas se movem entre as zonas francas desses países, de forma a despistar o contrabando. Do Panamá, as exportações são desviadas e as cargas chegam de forma clandestina a países como Guatemala, México, Colômbia, Equador.

Praticamente todo o cigarro pirata enviado para Aruba destina-se à Colômbia, levado em lanchas pelo mar do Caribe até La Guarija. Mas, de Aruba, parte das cargas vai também para o Suriname e a Venezuela. De Curaçao, segue para Colômbia e Panamá, de onde entra no resto da América Central. Já a Guatemala é um centro logístico importante para a distribuição ao México.

Outras três rotas não têm escalas. Numa delas, a rodovia Transchaco escoa as cargas para a Bolívia. Mas é para o Brasil e a Argentina que flui o maior volume de cigarro pirata. Setenta marcas paraguaias são contrabandeadas para o Brasil, segundo a Receita Federal. Cinco marcas fabricadas pelo presidente do Paraguai respondem por 49% das apreensões no país. Na Argentina, 45% dos cigarros piratas vêm da fábrica de Cartes. A marca Rodeo, da Tabesa, domina o mercado ilegal argentino, conforme as apreensões da Administração Federal de Ingressos Públicos.

A Receita Federal brasileira valora em US$ 1,50 o maço de cigarro paraguaio, para efeito contábil e indiciamento dos contrabandistas. Assim, as apreensões dos últimos quatro anos no país somam US$ 958 milhões, ou R$ 2,2 bilhões. Não existem exportações legais desse produto para o Brasil, embora um de cada quatro cigarros consumidos no país seja paraguaio.

A versão e a lei

"Não fazemos contrabando, produzimos e vendemos no Paraguai. O contrabando é um problema aduaneiro", Cartes costuma dizer. Assim, se exime de culpa sobre como o cigarro entra em outros países. Porém, o Código Aduaneiro do Paraguai, lei federal n.º 2.422 de 30 de julho de 2004, lança suspeita sobre as evasivas de Cartes, uma vez que grande parte do que ele produz sai do país por meios ilegais. O artigo 336 tipifica como contrabando as ações ou omissões, operações ou manipulações, que introduzem ou tiram do país mercadorias ou bens de qualquer natureza em violação às leis que regulamentam ou proíbem sua importação ou exportação.

O Código Aduaneiro considera ilegal tanto o que entra quanto o que sai do país sem controle fiscal. "O contrabando constitui, além de uma infração aduaneira, um delito de ação penal pública. Aos efeitos penais e sem prejuízo do processo administrativo, os registros serão encaminhados à Justiça penal. O delito de contrabando será punido com uma pena de privação de liberdade de até cinco anos ou multa". A lei estabelece a reciprocidade internacional em matéria de controle, mas o Paraguai não tem cumprido.

Responsáveis pelas fronteiras, a Direção Nacional de Aduanas, a Polícia Nacional e as Forças Armadas não consideram o contrabando um delito. A aprovação da atividade foi documentada em 2008 num despacho antológico da Aduanas. "Não existe prejuízo fiscal aduaneiro", atestou ao mandar devolver aos donos 805 caixas de cigarro e duas fotocopiadoras industriais apreendidas pelo Ministério Público num porto clandestino do Rio Paraná, no momento em que seriam despachadas ilegalmente para o Brasil. Desde então, a atividade prossegue com endosso oficial.

A desculpa é sempre a mesma: o contrabando é uma questão social, muita gente vive dele e a atividade não afeta o fisco paraguaio. O problema, em suma, é do Brasil – e de qualquer outro país aonde o cigarro pirata chegar. Ainda que para as autoridades paraguaias a saída ilegal de mercadorias do país não constitua um delito – o presidente Cartes entre elas –, o Código Penal estabelece a figura de "tentativa de contrabando", com a mesma pena do contrabando consumado: cinco anos de prisão ou multa.

O artigo 338 do Código Aduaneiro estende a responsabilidade a quem produz e vende produto destinado a contrabando. "As sociedades comerciais e não comerciais serão civilmente responsáveis pelo contrabando e pelas sanções administrativas autorizadas pelo Código Aduaneiro, quando forem beneficiárias ou financiadoras do contrabando, ou quando um ou mais diretores, gerentes, subgerentes são fatores responsáveis da sociedade e tiverem participado das ações ou omissões, manejos e operações realizadas para cometer o contrabando ou encobri-lo."

Durante três meses a reportagem fez oito contatos com a assessoria direta do presidente Horacio Cartes. No início, a resposta era de que uma entrevista seria agendada. Depois, a assessoria nem sequer respondeu aos e-mails e telefonemas.

Esta reportagem foi produzida com apoio do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru, com a colaboração dos jornalistas Martha Soto, do jornal El Tiempo, da Colômbia, e Ronny Rojas, do jornal La Nación, da Costa Rica.

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