Para parte da comunidade científica brasileira, não resta mais dúvida: é mesmo o vírus da zika o responsável pelos casos de microcefalia.
A convicção veio após a publicação nesta quarta-feira (10) à noite de um novo estudo no periódico científico The New England Journal of Medicine, relatando o caso de uma jovem da Eslovênia, que foi infectada por zika em Natal (RN), no primeiro trimestre da gestação.
O trabalho está sendo considerado o mais completo já realizado para demonstrar essa associação. Entre outras coisas, conta com imagens do feto, análises patológicas do cérebro danificado pelo vírus e o sequenciamento completo do vírus da zika encontrado nas estruturas cerebrais do bebê.
“Para mim, é evidência definitiva. Não se fala em outra coisa entre os cientistas”, afirma o infectologista Esper Kallas, professor da Universidade de São Paulo (USP). No entanto, para outra parte da comunidade científica, ainda serão necessários mais estudos para estabelecer de fato essa relação.
“É mais um exemplo de coexistência, apenas mais um caso de detecção do vírus em um feto com microcefalia. Coisas podem coexistir. Não é válido dizer que isso é evidência”, diz o cardiologista Luis Correia, especialista em medicina baseada em evidência.
Estudo
O estudo descreve o caso de uma mulher da Eslovênia, de 25 anos, que morava e fazia trabalhos voluntários em Natal desde dezembro de 2013. No final de fevereiro de 2015, ela engravidou. Na 13ª semana de gestação, apresentou sintomas de zika, como febre alta, dores no corpo e manchas avermelhadas pelo corpo.
Na época, várias pessoas da comunidade onde trabalhava como voluntária tiveram os mesmos sintomas, depois diagnosticados como infecção por zika. A mulher realizou duas ultrassonografia, na 14ª e na 20ª semanas de gestação e, em ambas, o crescimento e a anatomia fetal estavam normais.
Segundo estudo, a gestante retornou à Europa com 28 semanas de gestação e, com 29, um terceiro ultrassom mostrou os primeiros sinais das anomalias fetais. Com 32 semanas, o quarto ultrassom confirmou o diagnóstico. O bebê apresentava diminuição da circunferência do crânio (microcefalia), aumento dos ventrículos cerebrais e várias calcificações em diferentes áreas do cérebro.
Segundo os pesquisadores, por conta da severidade das lesões cerebrais, a gestante optou por interromper a gestação ainda na 32ª semana, o que foi permitido por dois comitês de ética (um nacional e outro do hospital onde foi atendida).
Na autopsia feita no feto (um menino), foram analisados amostras de todos os órgãos, placenta e cordão umbilical. No cérebro, além dos danos que o ultrassom já havia revelado, os pesquisadores encontraram as estruturas neuronais destruídas, o que aponta os neurônios como a “morada” da zika no cérebro.
O vírus foi encontrado em grande quantidade somente no tecido cerebral. Os pesquisadores testaram as amostras como outras flaviviroses, como dengue, chikungunya e febre amarela, além de citomegalovirus, rubéola, toxoplasmose, entre outros, mas todas foram negativas.
Também foi feito um completo sequenciamento do genoma do vírus, que mostrou uma identidade de 99,7% com a zika isolada na Polinésia Francesa e, depois, no Brasil.
“A moça estava em Natal no primeiro trimestre de gestação. Depois, encontram uma imensa quantidade de vírus no cérebro, com sequenciamento igual à da [zika] brasileira. Para mim, acabou. Não resta mais dúvida”, diz Kallas.
O neotalogista Manoel Sarno, que também pesquisa a zika na Bahia e já examinou mais de 80 crianças com microcefalia, também se entusiasmou com o estudo. “É fantástico, muito consistente, embora ainda vão dizer que é só mais mais um caso.”