A adulteração eletrônica em bombas de combustíveis, mostrada no programa Fantástico, da TV Globo, no domingo passado, poderia ter sido rastreada caso os órgãos de fiscalização utilizassem o suporte de um detector de radiofrequência. A afirmação é do engenheiro eletrônico Renato José de Almeida Rodrigues, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), e coloca em xeque a justificativa apresentada durante a semana pelo Instituto de Pesos e Medidas do Paraná (Ipem-PR).
Segundo o Ipem-PR, o esquema utilizado por proprietários de postos e pelo empresário Cléber Salazar, suspeito de vender placas eletrônicas modificadas para fraudar o comércio de combustível, é extremamente avançado e difícil de ser descoberto.
De acordo com Rodrigues, um aparelho de detecção de radiofrequência poderia captar os sinais do controle remoto usado pelos fraudadores mesmo que o dispositivo não estivesse sendo acionado no momento da fiscalização. O esquema oferecido por Salazar, que está preso, consistia na utilização de um dispositivo remoto para controlar a vazão do combustível e, com isso, fornecer menos litros do que o apontado na bomba. Em um posto de Curitiba, a diferença chegou a um litro e meio em um abastecimento de 20 litros.
Segundo o engenheiro eletrônico, o sistema usado para diminuir o volume de combustível é semelhante ao dos controles utilizados para desligar tevês e portões eletrônicos. "Não é alta tecnologia. Um detector varreria as frequências", explica.
Na avaliação de Rodrigues, que preside o Instituto Curitiba de Informática, falta um entrosamento entre os órgãos de fiscalização e a indústria eletrônica. Para ele, a técnica usada na fraude é de difícil detecção quando não há o aparelho que varra as radiofrequências.
Para fraudar as bombas com a tecnologia das placas, Salazar pode ter tido o suporte de especialistas em eletrônica. "O controle acionava um mecanismo e, certamente, confundia os circuitos da placa mãe (CPU). Isso envolve um conhecimento muito detalhado da CPU e da programação interna da placa. Um técnico (em eletrônica) que conhece muito bem a placa pode ter tido acesso à bomba", explica Rodrigues.
Silvia Guimarães, proprietária da empresa Equipamentos Londrina, especializada em manutenção de bombas de combustíveis, concedeu entrevista à reportagem por e-mail. Ela explica que poucos técnicos conseguem realizar alterações nas placas eletrônicas. "A maioria simplesmente substitui a placa ou realiza reparos muito simples", comenta. A empresa de Silvia é credenciada pelo Inmetro para instalação de tanques subterrâneos e para a manutenção de bombas de combustível, e está no mercado desde 1967.
Hipótese
Silvia supõe que a fraude pode ter sido realizada com a reprogramação da placa CPU para mostrar no "display" (o painel que marca o valor a ser pago pelo combustível e os litros vendidos) um volume maior de combustível que o colocado no tanque do veículo. "Provavelmente isso foi feito por substituição de algum componente ou acréscimo de dispositivo especial. Creio ser necessário um conhecimento avançado em eletrônica para fazer essa modificação. Existe uma sofisticação técnica", explica.
Como funcionam as bombas
Um posto de combustível tem dois elementos principais: tanque e bomba, explica Silvia Guimarães, especialista em equipamentos de manutenção de bombas de combustíveis. O tanque é um cilindro subterrâneo com capacidade para 15 mil ou 30 mil litros, e que serve para armazenar o combustível. Ele é ligado à bomba por tubulações subterrâneas por onde passa o combustível. A especialista explica que a bomba tem a função de enviar o produto armazenado no tanque, além de registrar o volume e o valor.
Segundo Silvia, o posto faz o controle de entrada (compra) e saída (venda) de combustível pelo livro registro mensal de combustível, que é fiscalizado pela Agência Nacional do Petróleo. "Vários postos têm sistema de automação que facilita esse gerenciamento. Embora a placa CPU da bomba registre e acumule o volume vendido, o sistema de automação fornece informações gerenciais importantes: horário de maior venda, desempenho por frentista, bomba de maior venda, controles a longa distância, entre outras", relata.
A unidade bombeadora puxa o combustível do tanque e manda para o bloco medidor, que conta o volume de produto por meio de giros mecânicos. Um aparelho chamado "pulser" transforma o giro em pulsos eletrônicos e manda as informações para a CPU. A placa, de acordo com Silvia, transforma essas informações em dados numéricos de valor e volume, e envia para o painel da bomba. "Quando o cliente abastece seu veículo, ele vê os dados de preço e litros mostrados no painel". Enquanto as informações chegam ao cliente, de acordo com ela, o combustível que estava no bloco medidor vai para a mangueira e depois para o bico, que abastece o tanque do veículo.