Andar de ônibus é como entrar em uma máquina de poluição ambulante. O próprio veículo emite gases e partículas nocivas, com a queima do combustível. Além de cruzar ruas e bairros onde o ar externo, muitas vezes, é igualmente poluído. Ruim para o passageiro, pior para o motorista, que fica ainda mais sujeito aos impactos da poluição. Para analisar pontos críticos e sugerir melhorias, uma equipe de pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) vai analisar a qualidade do ar em ônibus do transporte público em cidades no Brasil, na América Latina e no Canadá. Na última semana de julho, o grupo mediu a qualidade do ar no transporte urbano de Curitiba. Três pontos da capital paranaense se mostraram especialmente perigosos para a saúde de usuários e trabalhadores de ônibus, onde foram localizadas partículas de carbono negro.
Veja no infográfico os pontos mais poluídos do corredor norte-sul de Curitiba
Foram escolhidas três linhas, na capital paranaense. Os dois Circular Centro (sentidos horário e anti-horário) e a linha Santa Cândida/Capão Raso. Esta última cruza a cidade em canaleta exclusiva, no eixo norte-sul. A pesquisa se resumiu aos trechos entre os terminais do Portão (Sul) e Cabral (Norte) por limitação técnica.
A coleta é feita por um aparelho que “suga” o ar e calcula os dados em tempo real. As informações ficam gravadas em um chip integrado a um GPS. Desta forma é possível transferir os dados diretamente para um programa de computador e localizá-los no mapa, indicando áreas mais ou menos poluídas.
Pesquisadores vão pedalar para medir poluição em Curitiba
Leia a matéria completa“A ideia é comparar os níveis de poluição do ar dentro dos ônibus em dois ambientes. Na América Latina, onde os ônibus têm certa tecnologia, são mais velhos, a frota é mais a diesel; e no Canadá, onde já se tem uma legislação de controle de emissões mais rígida”, explica o professor Admir Targino, que coordena o trabalho ao lado da pesquisadora Patricia Krel. Ambos são vinculados ao programa de pós-graduação de Engenharia Ambiental (PPGEA) da UTFPR em Londrina e Apucarana.
Para o estudo, estão sendo medidas três variáveis: quantidade de partículas no ar (número total por centímetro cúbico), massa de partículas e massa de carbono negro (fuligem), estas duas últimas em micrograma por metro cúbico. “Todas as partículas são nocivas à saúde, mas este contaminante em particular, a fuligem, tem ganhado bastante atenção nos últimos anos, pois há suspeitas de que tem um efeito cancerígeno para a saúde humana”, explica Targino.
O ar externo é outra variável. Por isso os pesquisadores anotam manualmente detalhes como portas e janelas abertas, paradas em sinaleiros, tráfego em subidas (que exigem mais do motor), e tráfego próximo a fábricas ou outros pontos de grande emissão de poluentes. Pode ser que no Canadá, onde as janelas ficam mais fechadas devido ao frio, a penetração da poluição externa seja menor. O mesmo vale para frotas equipadas com ar-condicionado. São hipóteses, a serem confirmadas ao final da pesquisa.
Roteiro
Além de Curitiba, Londrina e São Paulo já receberam o trabalho. Na Colômbia, a medição foi feita em Bogotá. Os próximos passos incluem testes em Santiago, no Chile, e Buenos Aires, na Argentina. As cidades canadenses ainda não estão definidas, mas é possível que Toronto e Vancouver, de tamanhos grande e médio, além de Halifax, onde fica a Dalhousie University (parceira no projeto), estejam entre elas.
A ideia é fornecer material que motivam ações de mitigação da poluição, por parte do poder público, como a limitação da idade da frota e o padrões de qualidade para os motores de combustão. “É um efeito cumulativo, então se o ônibus atravessa uma região poluida, imagine o efeito depois de uma semana. Um mês, um ano, dez anos fazendo o mesmo trajeto? Podemos pensar ainda no cobrador, no motorista, que estão oito horas por dia, todos os dias fazendo o trajeto”, alerta o professor Targino.
Sem “ar limpo”
Em Curitiba, o índice de qualidade do ar varia “do pouco ao muito poluído”, mas não significa que há o que comemorar. É o que indica uma análise preliminar dos dados coletados na última segunda-feira (25), aos quais a reportagem teve acesso. As informações mostram a quantia de fuligem encontrada por metro cúbico na linha Santa Cândida/Capão Raso, e foram coletadas pelos pesquisadores Thiago Landi, da UTFPR de Londrina, e Ellen Patrick, da Dalhousie University, no Canadá.
Três pontos são preocupantes: a Avenida República Argentina, nas proximidades do Terminal do Portão, e a Avenida Sete de Setembro, na altura da Rua Alferes Poli, e em frente à Praça Osvaldo Cruz. Nestes locais, o carbono negro ultrapassou a marca dos 40 micrômetros por metro cúbico. Mas mesmo as áreas mais limpas do mapa inspiram preocupação. O verde escuro indica até 10 mg/m³. Mas, para os pesquisadores, qualquer concentração diferente de zero é perigosa à saúde.
“A maior parte da comunidade científica acredita que não existe um nível de segurança para estas partículas. A partir do momento que você respira [fuligem] já existe um prejuízo no seu sistema respiratório, cardiovascular”, explica Patricia Krecl. Outro problema é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) não estabelece limites toleráveis específicos para o carbono negro. No Brasil, também não há espaço para este poluente na resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que estabelece padrões de qualidade do ar.
Por ser muito fino, o carbono negro consegue penetrar de forma mais profunda no sistema respiratório. Por ser poroso, ele também pode “dar carona” para gases cancerígenos, como os HPAs. São gases que normalmente não seriam respirados, mas se “grudam” ao carbono e entram no organismo.
Além disso, há estudos que apontam um efeito perverso das nanopartículas (partículas de qualquer espécie que atingem até 100 nanômetros, ou 0,1 micrômetro). Além de atingirem o sistema cardiorrespiratório, elas seriam capazes de entrar pelo nariz e seguir direto para o cérebro, onde provocam micro enfartos e matam neurônios. Fenômeno que tem grande chance de passar despercebido.
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