Chega a 1.715 o número de pessoas em situação de rua, em Curitiba. O dado é da pesquisa realizada pela Fundação de Ação Social (FAS), entre 30 de março e 20 de abril deste ano. Foram entrevistadas 1.133 pessoas nas ruas, espaços públicos e em centros de atendimento a essa população, em toda a cidade. Outras 582 encontravam-se nas Unidades de Acolhimento Institucional – os antigos abrigos – da capital. A contagem é um dos objetivos estabelecidos pela Política Nacional do setor, instituida em 2009, em vigência em Curitiba desde 2013.
O Centro da cidade concentra a maior parte da população de rua. Mas não com exclusividade. Mais de 40% estavam distribuídos por outro bairros, com maior peso para a região do Boqueirão e Portão. Em geral são homens (89%) jovens e adultos em idade economicamente ativa (85,2% têm entre 25 e 59 anos). A presença de mulheres e idosos também pesa. E confirma a necessidade de políticas fragmentadas para diferentes setores, na avaliação da FAS. O município criou em 2015 a primeira casa de acolhimento para mulheres e população LBT do país.
Os brancos são maioria (49%). Mas a composição étnica da população de rua chama atenção, quando comparada com o geral da população. Negros e pardos, que são 19,7% dos curitibanos, representam 48,5% da população de rua. A prevalência de indígenas na rua (1,74%) é onze vezes maior do que na cidade como um todo (0,15%). Indica uma desigualdade racial no perfil da população, na avaliação da FAS.
Também aberta em 2015, a Casa de Passagem do Indígena mostra uma sazonalidade deste público. Muitas pessoas do interior do estado vão a Curitiba para vender artesanato em determinados meses do ano. O melhor caminho para “reverter este fluxo de migração forçada por aspectos sociais, econômicos e afetivos” é investir em uma política de desenvolvimento regional, junto aos pequenos municípios, avalia a superintendente de Planejamento da FAS, Jucimeri Silveira.
Os nascidos no interior do Paraná representam 31% da população nas ruas de Curitiba. Mas apenas 15,5% relatam que suas famílias ainda moram no interior do estado. Por outro lado, embora apenas menos da metade (48,2%) seja natural de Curitiba e Região Metropolitana, a maioria (71,8%) tem família morando na capital e em cidades do entorno. Pode indicar uma migração em massa, que levou à favelização e condição de rua. São apostas.
A pobreza é um fato: 93,4% de quem mora na rua ganha até um salário mínimo. Dois terços não ganha nem meio salário. Mas o maior indício de vulnerabilidade está na baixa escolaridade, acredita Maria Tarcisa Bega, professora de Sociologia da UFPR. Os 60,5% que sequer completaram o ensino fundamental indicam que essas pessoas já viviam na pobreza antes de ir para a rua.
Ao mesmo tempo, álcool (24,7%) e drogas (27%) aparecem como os principais motivos que levam à situação de rua. “As famílias de alta renda acabam tendo uma estrutura de moradia e tratamento [para os usuários]. Já os mais pobres, quando submetidos a uma condição de álcool e droga, a tendência a ir para a rua é maior do que quem tem uma estrutura de proteção mais estruturada”, opina Maria Tarcisa.
Os conflitos familiares são terceiro lugar entre os motivos que levam à rua. “A perda de vínculos com a família já se consolida como uma caraterística da situação de rua, independente de qual foi o motivo [propulsor]”, explica Erika Hayashida, coordenadora técnica da pesquisa da FAS. Por outro lado, mais da metade mantém algum tipo de contato com a família. A maioria de forma semanal, mensal ou diária. “Então aquela imagem do cara caminhante, que anda pelo mundo com um saco nas costas, parece que não é bem assim”.
Mulheres
O número de mulheres nas ruas (11%) chama atenção, alerta a professora Maria Tarcisa Bega, da UFPR. Em geral, as mulheres têm estratégias de sobrevivência que a impedem de ir à rua. “Até para a prostituição ela precisa de um quarto”. Por outro lado, o ambiente da rua oferece mais riscos de violência e vulnerabilidade para elas do que para os homens. “A mulher que está na rua está muito abaixo do homem em uma escala social, e aí podemos pensar o que as políticas públicas estão fazendo para proteger as mulheres, quais mecanismos familiares põe estas mulheres na rua”, opina a professora.
Quase todos acessam algum equipamento público, quando há necessidade. “O que nos dá indicações importantes para ver se estamos no caminho com as especializações dos serviços ou não”, explica Jucimeri Silveira. Ao mesmo tempo, apenas 9% passam a maior parte do seu tempo em centros POP. A maior parte fica em espaços públicos e na rua.
A prevalência de álcool e drogas indica a necessidade de investimento em estratégias de saúde mental e de vinculação com esta população. O tema é delicado, explica a superintendente da FAS, pois há um apelo para que o poder público isole esta população. “Mas já foi comprovado que estas políticas que segregam não tem eficácia; é uma população fragilizada, que precisa de cuidado, proteção, orientação. Se filiar a um novo projeto de vida. Não é um trabalho simples”, argumenta.”