O programa Minha Casa Minha Vida, assim como outros que viraram bandeiras das gestões petistas, entrou no centro do debate político após o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Mas a politização desse debate acabou por esconder erros e acertos da estratégia para o setor, inclusive na modalidade voltada para que os próprios movimentos sociais construam suas casas. Elogiado e visto como um modelo de programa de habitação pela ONU, o MCMV-Entidades teve a contratação de 11 mil unidades revogada após a posse do presidente em exercício Michel Temer. O atual ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), porém, voltou atrás e prometeu para breve uma nova portaria retomando os projetos (leia mais sobre isso abaixo)
Desde 2009, o governo federal contratou 62.028 unidades habitacionais na modalidade Entidades. Isso representa menos de 2% do total do MCMV. Mas o modelo de autogestão para construção de moradias populares é algo pensado desde a promulgação da Constituição Federal – ou seja, muito antes das gestões petistas. O direito à moradia digna previsto na carta magna culminou na criação do Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social em 2005.
A ideia era que o FNHIS recebesse R$ 1 bilhão por ano e as prefeituras ficassem encarregadas de distribuir esses recursos e terras de acordo com seus planos diretores e com os projetos apresentados por associações e entidades ligadas ao tema. “O MCMV-Entidades é inspirado em programas da gestão da Luísa Erundina, em São Paulo. Mas também tivemos exemplos no Rio Grande do Sul e a própria gestão Márcio Covas [ex-governador de São Paulo pelo PSDB] fez algo muito parecido com a Erundina no nível estadual. Tudo acabou paralisado no final da década de 1990”, explicou Nunes Lopes dos Reis, arquiteto da ONG Peabiru, entidade que presta consultoria às entidades nesses projetos.
Em 2008, a União lançou o Minha Casa Minha Vida e acabou suplantando as demais iniciativas em torno da questão da moradia. E a modalidade Entidades somente foi criada em 2011, após pressão exercida por movimentos sociais e intelectuais ligados ao tema.
Parte de um conjunto
Uma das principais críticas ao Minha Casa Minha Vida é que ele não ataca todas as causas do déficit habitacional. O programa é voltado exclusivamente para produção de unidades e não resolve problemas como moradias inadequadas e nem ônus excessivo com aluguel. A quantidade de unidades vazias em áreas centrais das grandes cidades brasileiras (estima-se mais de cinco milhões), por exemplo, seria suficiente para dar um lar para todas as famílias que moram inadequadamente no país. Então, segundo especialistas, o problema somente se resolverá quando houver uma política pública adequada para resolver questões como ocupação do solo e a especulação.
Melhor qualidade
Nesse cenário, o MCMV-Entidades acabou recebendo elogios do braço do ONU para habitação por construir unidades mais qualificadas que o restante do programa e, em média, 10 metros quadrados maiores do que as produzidas dentro das outras modalidades. “Com menos pressão da lógica de mercado, as organizações sociais e cooperativas podem se concentrar em maximizar a qualidade e tamanho das unidades”, descreveu a UN-Habitat.
Representantes do mercado, por sua vez, veem modalidade Entidades um ranço ideológico. Mas reconhecem que ela não deve ser extinta. “Isso [essa modalidade] é uma ideologia. Ela deve existir, mas tem de ser apenas complementar. Há tensões sociais no país e não podemos negar isso. Mas é importante ressaltar que esse pessoal [entidades] entregou apenas 10% do contratado. Já o setor chegou a R$ 20 bilhões em execução”, disse José Carlos Rodrigues Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), que pelo menos desde a criação do Ministério das Cidades, em 2006, tem sido um dos braços do mercado nas discussões que formaram as novas políticas públicas de habitação do país.