Na falta de áreas verdes na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, uma dupla designers resolveu olhar para baixo. Mais especificamente, para debaixo da terra. E assim surgiu a ideia do Lowline Park, que pode ser o primeiro parque subterrâneo do mundo. No mês passado, o prefeito Bill de Blasio deu sinal verde para o projeto. Os idealizadores agora têm que convencer patrocinadores e comunidade local de que a ideia é boa. Além de provar que conseguem usar a luz do Sol para iluminar o lugar, como prometem.
Parece ficção científica das boas. Mas a “luz solar remota” já existe, e está em funcionamento desde outubro, quando um protótipo do parque foi aberto ao público. Os raios solares são “coletados” por um escudo de vidro, como uma antena parabólica. A luz é transmitida por um tubo de hélio, que cruza a rua até o sub-solo. Lá embaixo, um equipamento (como uma “claraboia invertida”) espalha a luz pelo ambiente. É o suficiente para as plantas fazerem sua fotossíntese e o lugar ficar iluminado, de forma natural, durante o dia.
“É basicamente como uma versão gigante de, quando você é criança, usar uma lupa gigante para queimar folhas ou soldadinhos de brinquedo”, explicou Daniel Barasch à NY Mag. Foi nesta mesma revista que ele e seu colega James Ramsey, ambos designers, lançaram a ideia do parque, em 2011.
A ideia é reaproveitar uma estação abandonada do antigo sistema de bondes elétricos para criar um espaço de convivência para os moradores do Lower East Side, na zona sul de Manhattan. O Williamsburg Bridge Trolley Terminal fica em uma área de 6 mil metros quadrados. Equivalente ao tamanho de três quadras, na superfície.
A estação foi inaugurada em 1908, mas fechou em 1948, para dar lugar a um moderno sistema de metrô. Os novos trilhos foram instalados ao lado dos velhos. Significa que os visitantes do futuro parque vão poder sentar para ler um livro embaixo de uma árvore enquanto o metrô corre ao seu lado. Para tornar esta uma experiência urbana agradável, a equipe do Lowline trabalha em um sistema de janelas a prova de som.
Outra ideia é preservar parte da infraestrutura dos bondes, em uma espécie de homenagem nostálgica. Mas a principal tarefa, agora, é provar que a “luz solar remota” pode abranger toda a área da estação, durante todos os meses do ano. Esta é uma das exigências da prefeitura, proprietária do terreno, para liberar a criação do parque.
O departamento de Desenvolvimento Econômico do município começou a discutir qual destinação dar à antiga destação de Williamsburg Bridge há oito meses. O “Lowline Lab” (protótipo do parque) foi escolhido para apresentar um projeto. Ajudou na escolha o fato de que o projeto foi o único interessado na disputa.
Eles têm agora 12 meses para levantar US$ 10 milhões. A prefeitura não prometeu nenhum dinheiro, mas não está descartado o investimento público na obra.
Gentrificação
A ideia de “revitalizar” os trilhos Nova York não é nenhuma novidade. Em 2009, a cidade ganhou um parque público no High Line, elevado que cruza a região Oeste da cidade, como fosse um “Minhocão” de bondes. A reforma trouxe novos moradores e turistas para a região. E foi justamente este o problema, dizem críticos da proposta.
O High Line hoje é visto como exemplo de gentrificação. A melhoria da região teria expulsado, indiretamente, os antigos moradores e comerciantes, incapazes de pagarem os aluguéis elevados. O próprio termo “revitalizar” é visto como ironia. Como se a reforma trouxesse de novo a vida à região, ignorando que outras pessoas já viviam por ali antes das melhorias.
Há um medo que isso se repite no Lowline, instalado em uma das regiões menos verdes de Manhattan. “Eu acredito no projeto, mas temos que ter certeza que ele não vire um mero set para filmes de Hollywood ou espaço para a elite cultural. Esta é uma comunidade com muitas famílias de baixa renda”, declarou à NY Mag Victor Papa, presidente do conselho comunitário do bairro.
A própria representante da prefeitura, Alicia GLen, disse à revista que o projeto “não é para gentrificação”. “É sobre criar um acre [seis mil metros quadrados] de espaço em uma vizinhança que está faminta por isso, e eles estão famintos justamente porque não tem nenhum outro lugar para construir um parque por aqui”.
O conselho comunitário aprovou o projeto do parque em dezembro do ano passado. Além disso, o parque trabalha para atrair o apoio dos moradores, com visitas guiadas abertas aos estudantes das escolas da região, por exemplo.
Casa das Tartarugas Ninja, também em NY, está “disponível” no Airbnb
O Lowline Lab não é o único projeto de olho na vida subterrânea de Nova York. Além das antigas estações de bonde, a cidade é entrecortada por túneis subterrâneos construídos para captação de água, e proteger o local de enchentes. O mais famoso deles é da ficção: é em um túnel destes que moram as Tartarugas Ninjas.
Na vida real, alguém teria reformado um abrigo no bairro de Tribeca, em Nova York, para transformar no Lar das Tartarugas. O espaço foi colocado para locação no site AirBnb, e em poucos dias as reservas esgotaram, segundo divulgou o site Mashable.
Há vida embaixo da terra
Outras experiências de vida embaixo da terra são menos glamurosas do que o projeto do Lowline Lab. Na China, estima-se que entre 100 mil e dois milhões de pessoas vivem em antigos abrigos subterrâneos, só em Pequim. Há mais de 10 mil bunkers na cidade, construídos há 40 anos como parte da estratégia militar do país durante a Guerra Fria. Os habitantes destes locais ganharam inclusive o apelido de “tribo dos ratos”.
O país anunciou que vai proibir o uso destes espaços para moradia, a partir do ano que vem. Mas não há espaço para toda esta gente na superfície, o que faz com que os atuais moradores duvidem da proibição. O governo já recuou do prazo inicial para a proibição, que deveria ter entrado em vigor em 2012.
Já na Austrália, o calor de 50ºC da região do Outback levou os moradores de Coober Pedy para baixo da terra. Cerca de 80% da população local vive em casas subterrâneas, como tocas. Ao contrário do projeto sustentável dos nova iorquinos, os australianos não tem luz solar embaixo da terra. Pelo contrário: a cidade é toda movida à disesel.
No mês de junho, o governo australiano anunciou investimento de 18,4 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 45 milhões) para “limpar” a matriz da cidade. A meta é ter 70% da energia oriunda de fontes renováveis, em um prazo de 25 anos.