Uma batalha que chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pode definir o futuro do Uber no continente. A questão é: o Uber é só um serviço digital que conecta motoristas e passageiros? Ou é, na realidade, um serviço de táxi sem licença? Na terça-feira (29), em Luxemburgo, o tribunal ouviu os argumentos dos advogados representantes do Uber e da Asociación Profesional Élite Taxi, principal cooperativa de táxi de Barcelona, que originou a ação, em 2014. A expectativa é de que o painel do Tribunal de Justiça, composto por 15 juízes, chegue a um veredito até abril. A decisão, porém, poderá ter um alcance que irá além dos limites da UE e da indústria de caronas.
O caso dividiu nações-membros da União Europeia que adotaram diferentes regulamentações. E outros países, especialmente os incluídos na chamada “economia compartilhada”, vêm prestando atenção ao tema. A UE é um dos maiores mercados internacionais do Uber e uma decisão lá poderia transformar o modo como o mundo em geral enxerga a economia do compartilhamento. O julgamento pode determinar que serviços como Uber, Lyft e Airbnb devem ser considerados como aplicativos que existem somente no espaço digital; ou se podem ser enquadrados como fornecedores de serviço na vida real. Sujeitos, portanto, às regulamentações da vida real, o que inclui questões de licenciamento, seguro e segurança.
Os advogados do Uber indicaram na terça-feira que a empresa não deve ser restrita ao rótulo de um serviço de táxi. O Uber é parte de uma onda de tecnologia que muda radicalmente o modo como compramos e obtemos informação”, disse o advogado do Uber, Cani Fernandez, ao Tribunal de Justiça da UE. “Os serviços do Uber não podem ser reduzidos a um mero serviço de transporte”.
O debate veio à tona com o UberPOP, que permitia que qualquer motorista – após algumas verificações básicas de segurança – usasse o aplicativo pegar passageiros, segundo o New York Times. A Asociación Profesional Élite Taxi, de Barcelona, acusou o Uber de oferecer serviços ilegais de táxi com o UberPOP (similar ao UberX, nos Estados Unidos e no Brasil).
Um juiz espanhol passou o caso para o Tribunal de Justiça da UE em Luxemburgo. Segundo o Times, o Uber teve seus serviços, inclusive o UberPOP, suspensos na Espanha. Mas já retornou ao país, desta vez em parceria com motoristas de táxi licenciados. Na terça-feira, os advogados que representam a cooperativa espanhola de táxi argumentaram no tribunal europeu que o UberPOP permitia que a startup de San Francisco tivesse uma vantagem injusta, ao evitar as regulamentações e taxas espanholas.
“Vamos olhar para as coisas como elas são de verdade. Se há um serviço de transporte sendo oferecido, a companhia não deveria se esconder por trás desse véu dizendo que faz um tipo diferente de atividade”, disse ao Tribunal o advogado Montse Balague Farre, que representa o grupo, segundo a Bloomberg. “Não podemos permitir que se desenvolva na Europa um modelo de negócios que possa vir a minar ou pôr em detrimento os direitos de proteção ao consumidor”.
Há muita coisa em jogo para o Uber. Se sair uma decisão contra a empresa, eles serão forçados a cumprir com as obrigações normais de serviços de transporte sob as leis da UE. Mas a decisão poderia afetar também o modo como a empresa é vista fora do bloco europeu. O Uber já afirmou repetidamente ser um serviço digital, em embates semelhantes em outros lugares, como no Taiwan. A ilha pediu que Apple e Google removam o Uber das lojas de aplicativos no país, e deu ordens para o Uber pagar seus impostos. O argumento é de que classificar como uma “tecnologia de Internet” é uma representação enganosa das atividades da companhia.
Economia compartilhada na berlinda
O conflito veio à tona em uma fase de transição da economia de compartilhamentos. Com um valor estimado em US$ 68 bilhões, o Uber e sua batalha com a indústria do táxi estão sempre no centro dessa polêmica. Em Paris, por exemplo, os taxistas tradicionais sempre desfrutaram de um monopólio de privilégio e poder, disse ao The Christian Science Monitor, o professor de ciência política da Universidade de Borgonha, Dominique Andolfatto, no ano passado. Hoje, frustrados com o sistema atual, muitos franceses mais jovens estão vendo a desregulamentação econômica com bons olhos.
Para dar conta dessa mudança, políticos e serviços tradicionais de transporte têm imposto desafios jurídicos e tributários ao Uber e a outras empresas de carona em cidades como Londres, Frankfurt e Calgary, no Canadá. No cerne de muitos desses debates há a mesma questão: se o Uber é uma companhia puramente digital que leva os passageiros aos motoristas ou se é um serviço de táxi sem licença, como escreveu o Shorenstein Center da Harvard Kennedy’s School.
Enquanto a UE aguarda a decisão do tribunal, diferentes legisladores dos EUA vêm lidando de formas diferentes com a questão. O estado de Nova York determinou recentemente que dois motoristas do Uber (um dos quais também trabalhava para o Lyft) tinham direito a seguro-desemprego, o que significa que eles deveriam ser tratados como empregados, em vez de contratantes independentes.
Enquanto isso, em junho, a Administração de Economia e Estatística do Departamento de Comércio dos EUA publicou um relatório que rotulava as companhias envolvidas na economia de compartilhamento como “firmas de correspondência digital”.
Outras companhias da economia de compartilhamento vêm enfrentando questões semelhantes. A Airbnb, que une hóspedes e anfitriões, e a sua rival, a HomeAway, foram multadas em US$1,2 milhões na semana passada pelo governo de Barcelona por anunciarem e operarem serviços de aluguel de férias sem as licenças adequadas, segundo a Fortune.
Traduzido por Adriano Scandolara