O “malandro” da música Bebel, do Farofa Carioca, talvez não ficasse preso no trânsito do Rio de Janeiro se existisse Waze nos anos 1990, quando o samba foi lançado. Diferente dos aparelhos de GPS – que ensinam caminhos para quem não sabe andar na cidade – o aplicativo de trânsito cria alternativas para fugir do congestionamento. Ele calcula a rota mais rápida, com menor fluxo de carros. Grande vantagem para o motorista, mas que pode ser uma dor de cabeça para planejadores e engenheiros de tráfego.
Um risco é sobrecarregar ruas secundárias, que não estão preparadas para um grande fluxo. A ausência de sinaleiros, o tamanho menor da via e até o material usado na construção asfáltica costumam ser diferenças nestas ruas em relação às avenidas principais, já que o fluxo de veículos previsto é menor. Até o comportamento dos integrantes do trânsito muda. O pedestre pode ser mais desatento e o motorista de ônibus que passa por ali pode até parar fora do ponto para ajudar um passageiro atrasado.
Aplicativos produzem dados inéditos sobre trânsito no mundo
Leia a matéria completaEsta mudança no eixo do trânsito foi percebida pelos técnicos da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). A velocidade é um problema. Acostumado aos 60 quilômetros por hora das avenidas principais, o motorista mantém este ritmo ao entrar em um bairro, onde o limite é 40 km/h.
Ainda assim, a BHTrans vê as soluções propostas pelo Waze com bons olhos. Quando orienta o motorista a desviar de um acidente, por exemplo, o aplicativo ajuda o poder público. Distribuir o fluxo em diferentes caminhos também é uma boa, para desafogar o trânsito.
Mas os atalhos podem virar novos gargalos. Professora de Filosofia na UFRJ, Carla Rodrigues cita o caso do Rio de Janeiro. A geografia litorânea limita as alternativas de caminhos na cidade; todo mundo que vai da Zona Sul para o Centro, por exemplo, tem de escolher entre ir pela Orla ou pela Lagoa Rodrigo de Freitas. Quem desvia pelas ruas laterais em algum momento é obrigado a retornar ao caminho principal, criando um novo congestionamento.
“É um incentivo ao carioca espertão”, que não vê problemas em desrespeitar as leis para tirar vantagem pessoal, analisa Carla. A filósofa se inspirou no trabalho do antropólogo Roberto Da Matta, que em seu livro Fé em Deus e pé na tábua analisa como o brasileiro vê “o outro” como adversário no trânsito. O que vale tanto para o pedestre quanto para o motorista.
Quando há sinergia
Uma solução é incorporar a tecnologia à gestão pública. Com a plataforma Conected Cities, o Waze cede dados de seus usuários às prefeituras em troca de informações exclusivas, como bloqueios programados para obras em vias da cidade. O Rio de Janeiro foi a primeira cidade do projeto, hoje presente em 55 municípios do mundo todo.
Coordenador de Mídias Digitais da prefeitura do Rio, Pedro Perácio explica que os dados são criptografados, ou seja, o município não tem acesso às informações pessoais do usuário, e sim a “ondas de calor” que apontam tendências do trânsito. A tecnologia é integrada ao Centro de Operações (COR) da prefeitura, que faz o monitoramento de crises em tempo real, agindo tanto em acidentes de trânsito como em desastres naturais, como chuvas e deslizamentos.
A plataforma também subsidia políticas públicas de médio prazo. A cidade de Boston, nos Estados Unidos, por exemplo, analisou pelo Waze Conected Cities o impacto de uma mudança na cronometragem de seus sinaleiros. A ideia era deixá-los verdes toda vez que um ônibus da linha BRT se aproximasse do cruzamento.
Solução deve ir para além do carro
Nem mocinho nem vilão. Aplicativos como o Waze cumprem seu papel de tornar a vida do motorista mais fácil. Ainda que as cidades se aproveitem dessas informações, o papel do gestor público é pensar a mobilidade como sistema, defende o professor Leandro Escobar, do curso de Sistemas de Informação da Universidade Positivo (UP). É preciso levar em conta pedestres, corredores, usuários do transporte público e ciclistas.
O mesmo vale para as soluções tecnológicas, que podem e devem se dedicar a trazer soluções para outros modais. No último dia 18 de maio, a rainha da Inglaterra enviou ao parlamento um projeto de lei que obriga as empresas de transporte coletivo a compartilharem dados sobre tarifa, rotas e tempo de espera dos ônibus para desenvolvedores de aplicativos. A ideia é acabar com o tempo de espera no ponto, tornando a viagem de ônibus mais confortável.
Em Londres, o aplicativo Citymapper já faz isso, com certo sucesso (em 2014, a empresa divulgou estar instalada em metade dos smartphones londrinos). No Brasil, o israelense Moovit oferta funções semelhantes em 47 cidades, entre elas Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo.
Pesquisa liderada pela professora Kari Edison Watkins, do Georgia Institute of Technology, aponta que passageiros com informações em tempo real ficam dois minutos e meio a menos no ponto de ônibus do que aqueles que se guiam pelo itinerário tradicional.
Outro exemplo é o aplicativo Strava. Rede social para praticantes de atividade física, ele fornece informações sobre as rotas dos ciclistas para as cidades de Orlando, nos Estados Unidos, e Londres, na Inglaterra. Embora represente um porcentual pequeno de quem se locomove por bicicleta, o app orienta os municípios na criação de ciclofaixas e ciclorrotas.
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