Perdas arqueológicas irreparáveis colocam em risco a sobrevivência histórica de um dos berços da civilização no Oriente Médio. Os ataques a Palmira, que foi tomada pelo Estado Islâmico e retomada pelo governo sírio no fim do mês passado, resultaram em inúmeras destruições e saques de um dos mais importantes patrimônios históricos da humanidade tombados pela Unesco. Com mais de dois mil anos história e localizada em meio ao deserto e próxima a um oásis, Palmira abrigou ruínas de uma cidade que foi um dos centros culturais mais importantes do mundo.
Confira imagens dos destroços e ruínas de Palmira
Os extremistas do Estado Islâmico, que ficaram na cidade por 10 meses, derrubaram torres, colunas, templos e estátuas. Edificações históricas, como o templo de Bel, passaram a ser escombros. O Arco do Triunfo de Palmira foi transformado em pó. Muitas obras de artes e arquiteturas que datavam dos séculos 1 e 2, que combinavam técnicas greco-romanas com tradições locais e influências persas, tornaram-se destroços. A Unesco classificou os atos como crime de guerra.
Disputas e localização
Palmira era alvo de disputas devido à localização geográfica e por ser parte da chamada rota da seda. “A sua localização de entreposto comercial em uma rota caravaneira muito movimentada e que fazia circular significativas riquezas em bens e produtos”, afirma Frighetto.
Segundo o professor, o fato de ainda estar em um oásis tornava-se local ideal para o reabastecimento caravaneiro em áreas desérticas. “A condição de rota de trânsito faz e fez de Palmira uma localidade sempre visada”, destaca.
Mesmo a pretensão de reconstruir as edificações, que foi anunciada pela Síria, não passam de ilusão. “A destruição de monumentos, tanto em Palmira como em outros lugares da Síria, do Iraque, do Oriente Médio, da África, do mundo inteiro, fazem com que percamos nossa condição histórica e humana para sempre. Infelizmente, isso é irreparável”, ressalta o historiador Renan Frighetto, professor do Núcleo de Estudos Mediterrânicos da Universidade Federal do Paraná.
Segundo ele, todo o estrago, que contou até com marteladas para depredar imagens do museu da cidade, é um delito indescritível contra o patrimônio da humanidade. “Há que se pensar que toda e qualquer construção e monumento do passado foi feito com técnicas da época e com materiais que nem sempre são facilmente encontrados. Por certo que podemos fazer uma cópia, mas nunca será o original”, afirma Frighetto.
O professor e pesquisador destaca ainda que os vestígios arqueológicos de Palmira foram e serão sempre fundamentais para o estudo e o conhecimento artístico, arquitetônico e histórico. “O que realmente chocou a todos foi a brutalidade contra os civis que ali viviam e a sanha ignorante contra monumentos que contam nossa história, nosso passado”, ressalta. Antes do início do conflito na Síria, a população de Palmira estava estimada em 50 mil a 70 mil pessoas e, durante a presença do grupo extremista, em 15 mil.
Cidade foi fundamental para o Império Romano
Não fosse Palmira, fundada no século I a.C., as províncias orientais do Império Romano teriam sucumbido frente às forças persas. A cidade sempre esteve aliada do poderio romano.
Segundo o professor Renan Frighetto, da UFPR, Palmira começou a ganhar projeção econômica já a partir do século seguinte à sua fundação. “Por ela passava uma das várias rotas caravaneiras que ligavam o mundo greco-romano com a Pérsia e o Oriente, que conhecemos como a “rota da seda””, afirma. Essa rota era composta por vários caminhos que levavam os comerciantes e caravaneiros entre o Ocidente e o Oriente.
Foi justamente a pujança de Palmira que fez com que os romanos mantivessem aliança com os governantes da cidade. “A importância estratégica de Palmira colocou-a como uma aliada essencial para a manutenção da autoridade romana sobre os territórios orientais”, diz Frighetto. Mesmo no século 3, quando os persas sassânidas começaram a ameaçar as províncias romanas orientais, Palmira manteve aliança com Roma.
A importância militar de Palmira se efetivou no ano de 260, após derrota do imperador romano Valeriano diante forças persas. Segundo o professor, isso gerou uma desarticulação na defesa dos territórios romanos. “Coube ao príncipe Septimio Odenato de Palmira conter a ameaça persa sobre seus territórios e, também, das áreas orientais”, explica o professor. Odenato recebeu o título de “Duque dos romanos e protetor de todo o oriente” no ano seguinte.
“O valor militar de Odenato revela-se na medida em que conseguiu ampliar as áreas de influência de Palmira e, consequentemente, de Roma até a Mesopotâmia. Sua morte, ocorrida em 267, ocorreu no momento de maior vigor político militar frente aos persas e, também, aos romanos”, explica o professor.
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