A apuração sobre o recall realizado em coletes balísticos fornecidos a policiais do Paraná gerou uma racha nas forças de segurança do estado. As investigações terminaram com o indiciamento do comandante-geral da Polícia Militar (PM), coronel Maurício Tortato, que atacou o inquérito e recebeu apoio público do secretário de Estado da Segurança, Wagner Mesquita. Nesta sexta-feira (2), associações policiais reagiram, explicitando a cisão. O posicionamento mais duro foi da Associação dos Delegados do Paraná (Adepol), que pediu a destituição do secretário.
Em nota de repúdio, a Adepol afirmou que “causa espécie e muita preocupação” que o secretário, que deveria defender a autonomia do delegado que conduziu a investigação, “exerça juízo político de valor sobre o trabalho investigativo, antes mesmo do pronunciamento do Ministério Público”, titular da ação penal. “Agindo assim, o sentimento comum entre os delegados de polícia do Paraná é que o secretário perde a isonomia, respeitabilidade e altivez para a continuidade no cargo”, consta da nota.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Adepol, João Ricardo Kepes Noronha, disse que o apoio de Mesquita ao comandante da PM, no instante em que este atacou as investigações, gerou um mal-estar na Polícia Civil. “A partir do momento em que o secretário cria uma relação de instabilidade, ele está insuflando conflitos, está promovendo o racha”, disse.
Outra entidade policial, o Sindicato dos Investigadores de Polícia (Sipol) avaliou que a manifestação pública do secretário em defesa do coronel “desprestigiou” as instituições que participaram da investigação. O presidente do Sipol, Roberto Ramires, defende o afastamento imediato do comandante da PM, até que o Ministério Público (MP) e a Justiça avaliem o relatório final das apurações.
“Nós defendemos que o governador afaste o comandante [da PM] até que se elucide os fatos investigados. É muito ruim para a centenária Polícia Militar que seu soldado esteja na rua, sabendo que seu comandante foi indiciado”, apontou Ramires. “[O afastamento] é o procedimento que se adota com qualquer cidadão detentor de cargo público”, acrescentou.
Entre as entidades que representam militares, também houve impacto. A União das Praças do Corpo de Bombeiros do Paraná (UPCB) convocou assembleia extraordinária para definir se vai emitir um ofício à Sesp, pedindo o afastamento de Tortato. Pessoalmente, o presidente da UPCB, Henri Francis, é favorável à saída do coronel, pelo menos até a análise da investigação por parte do MP e Justiça. “Juridicamente, ele está sob suspeita para tomar qualquer outra decisão administrativa”, resumiu.
A UPCB e a Associação das Praças do Paraná (Apra) também apontaram que o relatório final do inquérito e as manifestações posteriores abalaram as relações entre as bases e a cúpula da segurança pública e entre as próprias corporações. “Não tem como negar que houve um racha, que provocou um desconforto entre as forças de segurança. O pior é que isso acaba escondendo o principal problema, que é muito grave, que é a questão dos coletes, que acabou expondo a vida dos policiais ao risco”, disse Francis.
“Tudo é pressão e aprendizado. Este abalo se concentra principalmente na cúpula. Na base os policiais trabalhando juntos. Mas, na nossa visão, existe o racha claro lá em cima”, apontou o presidente da Apra, Orélio Fontana Neto. “Por outro lado, ainda faltam coletes a policiais e nós defendemos que todos tenham coletes novos, que é um item individual básico de segurança”, acrescentou.
Defesa
Na quinta-feira, o coronel Maurício Tortato havia classificado o inquérito como “uma excrescência jurídica pautada em meias verdades” e disse que a apuração teria sido movida por “interesses inconfessáveis” do delegado de atingir o governo do estado. O comandante da PM disse ainda que agiu “responsavelmente” para garantir que os coletes passassem a ter condições de uso e apontou que o recall era um processo regular.
Outro lado
A Gazeta do Povo pediu entrevista com o secretário de Segurança Pública, Wagner Mesquita, ou um posicionamento oficial da pasta sobre a nota de repúdio. A reportagem não obteve retorno até as 18h20.
Associações da PM defendem comandante
- Felippe Aníbal
Duas entidades ligadas a policiais militares – a Associação de Defesa dos Policiais Militares (Amai) e a Associação dos Oficiais Policiais e Bombeiros Militares do Paraná (Assofepar) – emitiram nota em que manifestaram apoio do comandante-geral da Polícia Militar (PM), coronel Maurício Tortato.
No documento publicado em seu site, a Assofepar classificou a investigação e a publicação como inseridas “num contexto de ações midiáticas, dirigidas ao desgaste da imagem do governador” Beto Richa (PSDB). A associação também atacou o delegado que conduziu o inquérito, asseverando “sua imparcialidade e abusividade” e disse acreditar que “esses absurdos serão corrigidos quando da análise do Ministério Público”.
A Amai, por sua vez, lamentou o indiciamento do coronel Maurício Tortato e colocou seu corpo jurídico à disposição do comandante da PM. A nota acrescenta que a associação “não concorda com esta tese e acredita na competência da justiça com isenção na apuração dos fatos, comprovando a inocência do comandante”.
Entidades defendem indiciamento do secretário de Segurança
- Felippe Aníbal
Entidades policiais do Paraná avaliaram que o secretário de Estado de Segurança Pública, Wagner Mesquita, também deveria ter sido indiciado na investigação. O relatório final o isentou de culpa nas irregularidades apontadas no recall dos coletes, por considerar que Mesquita teria sido “induzido ao erro”. Em entrevista coletiva realizada na quinta-feira (1º), o próprio secretário negou esta tese.
“Eu não me senti induzido ao erro. Esta medida que foi tomada [fazer o recall] era urgente e necessária”, disse.
O Sindicato dos Investigadores da Polícia Civil (Sipol) entende que, como não foi “induzido”, e secretário cometeu uma falha administrativa e que deveria responder por isso. “Até o secretário deveria ter sido indiciado. Ele tem que ficar é bem quietinho”, disse o presidente do Sipol, Roberto Ramires.
O presidente da Associação dos Delegados do Paraná (Adepol), João Ricardo Kepes Noronha, foi mais duro e apontou que Mesquita só teria defendido o comandante da PM na tentativa de desqualificar a investigação. “Ficou subentendido que ele [Mesquita], atacando o inquérito, também está se defendendo. Se ele não foi induzido ao erro, ele participou de forma livre e consciente, concorrendo para a prática de um crime”, destacou.
A Associação de Defesa dos Policiais Militares (Amai) isentou o comandante da PM de responsabilidade na definição pelo recall, apontando que a decisão compete à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). “A partir da gestação de Beto Richa (PSDB) as compras e contratos – inclusive de coletes balísticos – passaram a ser responsabilidade da Sesp, sendo o diretor-geral da Secretaria o ordenador da despesa”.
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