| Foto: Felipe Lima/Gazeta do Povo

Os irmãos Carlos* e Carolina*, de 10 e 12 anos de idade, carregam traumas difíceis de serem superados. Eles cresceram em um ambiente em que, por anos a fio, foram estuprados quase que diariamente. O mais grave: a violência sexual era cometida pelos próprios pais. Dados do Disque 100 – canal de denúncia da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – apontam que casos como este estão longe de ser exceção. Em mais de 50% dos registros do Paraná, os abusadores eram familiares das vítimas. Em menos de um quinto das ocasiões, a violência foi cometida por desconhecidos.

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Abusos provocam traumas severos

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Depoimentos são principais provas, mas fazem vítimas reviver o abuso

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Em razão dessa proximidade, quase sempre – em 68% das ocorrências – os abusos foram cometidos ou na casa em que as crianças moram ou na residência do estuprador. O fato de o abusador, em geral, ser alguém do convívio das vítimas contribui para que muitos casos fiquem ocultos. Estima-se que para cada ação comprovada, 19 sequer sejam denunciadas – o que acaba encorajando os violentadores e fazendo com que os abusos se perpetuem.

Punição

Os abusos sexuais contra crianças e adolescentes se enquadram como estupro de vulnerável, que prevê penas de 8 a 15 anos de reclusão, que podem aumentar com agravantes. Os casos relatados na reportagem já foram julgados em primeira instância e os abusadores, condenados. Em maio deste ano, o pai de Carlos* e Carolina* foi condenado a 78 anos e 2 meses de prisão. A mãe deles teve pena estipulada em 67 anos de prisão. Em abril, o homem que estuprou *Cristina foi condenado a 17 anos e seis meses de reclusão.

“Existem dois perfis de vítima: a criança que têm dificuldade de revelar; e a criança que cresceu dentro da violência e não percebe que é vítima de abusos. O cidadão que comete este tipo de crime se vê estimulado a continuar. Com isso, há crianças que são abusadas a vida toda”, observou a promotora Tarcila Santos Teixeira.

Só em Curitiba, 1.878 inquéritos e 607 ações penais tramitavam no fim de abril na Vara de Infrações Penais Contra Crianças e Adolescentes. Mais de 80% destes casos se referiam a crimes de abusos sexuais. Dois processos são julgados por dia, mas a impressão de quem convive com essa realidade é de que os casos vêm aumentando.

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No Hospital Pequeno Príncipe, referência no acolhimento a este tipo de vítima, o número de atendimentos aumentou 8% nos últimos dois anos – passou de 227 casos em 2012, para 245 no ano passado. Até maio deste ano, 70 vítimas de abuso haviam sido acolhidas pelo hospital.

“Além da violência física, essas ocorrências sempre vêm acompanhadas de um trauma psicológico. Os casos vêm aumentando e a sociedade não pode fechar os olhos para isso”, disse a médica Maria Cristina da Silveira.

Os perfis das vítimas e dos abusadores revelam que os casos estão distribuídos entre as faixas etárias. No entanto, sete em cada dez crianças que sofrem o abuso são meninas, enquanto entre os autores dos crimes quase 70% são homens. “Os casos tendem a se concentrar entre a camada social de menor renda, mas há incidência em todas as faixas. Um dos indiciados nos processos que tramitam aqui, por exemplo, é um dos homens mais ricos de Curitiba”, apontou Tarcila.

Crime aparece em pequenos sinais

As crianças vítimas de abusos sexuais costumam dar pequenos sinais, que podem revelar que estão sofrendo violência.

Entre os principais sinais, a pesquisadora Lídia Weber menciona machucados não explicados, mudanças abruptas de comportamento, na alimentação ou no sono, comportamento de regressão (como voltar a fazer xixi na cama), descuido com higiene ou comportamento sexual inapropriado. Em alguns casos, no entanto, os sinais são explícitos. Os pais de Cristina* estranharam quando, de repente, a menina começou a chorar descontroladamente. A criança contou que foi abusada pelo pai da amiguinha com quem ia brincar quase que diariamente, no condomínio de luxo em que as famílias moravam.

O depoimento de Cristina* foi referendado em juízo pela filha do acusado. Ela dizia que estranhava o fato de, após saírem da piscina, o pai se trancar no quarto da amiga para enxugá-la e trocá-la.

* nomes fictícios
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