Vida segue

No dia seguinte ao maior temporal já registrado no Rio de Janeiro, moradores tentaram retomar o curso de suas vidas em meio à lama e à sujeira. A reportagem da Gazeta voltou a contatar as mesmas pessoas ouvidas na terça-feira para ver como elas tentam retomar suas rotinas:

Trajeto

Por precaução, o copeiro Tarcísio de Oliveira, 66 anos, saiu mais cedo de casa, em Belford Roxo, mas chegou uma hora antes que o normal no bairro Botafogo, onde trabalha.

"As ruas do trajeto do ônibus estavam secas e já tinham sido limpas. Até parecia que nada daquilo tinha acontecido", disse. Na terça-feira Oliveira saiu de casa às 4 horas da manhã, mas às 11 horas não tinha feito nem metade do trajeto.

Lama e lixo

O funcionário público e estudante Leonardo Sales da Silva, 25 anos, também voltou ao trabalho com facilidade. O trajeto entre sua casa, no Flamengo, e o Ministério Público, onde trabalha, foi feito nos habituais 15 minutos. Demorou mais para subir no ônibus. Às 7 horas, na rua onde ele mora e ao longo do caminho o cenário era o mesmo: trechos de vias cobertos com uma camada de lama e lixo por todo o lado.

Destroços

Em Niterói, uma das cidades mais atingidas, o térreo do prédio em que vive a estudante Alina Lopes de Araújo, 20 anos, amanheceu coberto com lama. Na rua, a camada era suficiente para afundar o pé ao caminhar. Moradores limpavam os carros deixados na via e o comércio da região abriu as portas só para varrer a sujeira para fora. "Pareciam destroços de uma guerra", descreveu.

Deslizamentos

Em Boa Viagem, também em Niterói, os deslizamentos de terra continuaram durante a madrugada. Pela manhã, quando o tempo melhorou, o engenheiro Júlio Resende, 25 anos, voltou ao trabalho. No percurso até a distribuidora de combustível em que trabalha, em São Cristóvão, algumas vias ainda estavam alagadas e o trânsito só fluía graças ao número reduzido de veículos.

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Contabilidade

Número de vítimas não é preciso

A atualização do número de vítimas do temporal do Rio de Janeiro nem sempre é precisa. Nesse tipo de tragédia, há autoridades diferentes trabalhando ao mesmo tempo e, às vezes,as informações são contraditórias. Além disso, novas mortes vão sendo descobertas rapidamente, conforme os moradores conseguem informar à polícia, à Defesa Civil ou à prefeitura. Por isso nem sempre o número de mortos anunciado pelos jornais é o mesmo. Ontem, até o fechamento desta edição, porém, a informação mais precisa dava conta de 145 mortos.

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Um novo deslizamento de terra de grandes proporções atingiu, por volta das 22 horas de ontem, a cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. O deslizamento pode ter soterrado de 30 a 50 casas no Morro do Bumba, no bairro de Viçoso Jardim, perto da ponte Rio-Niterói. O Corpo de Bom­­beiros estimava que pelo menos 60 pessoas estivessem soterradas. Por volta das 22h50 de ontem, três corpos haviam sido resgatados. A cidade tem cerca de 180 áreas de risco.

Antes do deslizamento, a Defesa Civil do Rio confirmou que 145 pessoas haviam morrido por causa das chuvas em todo o estado desde as 17 horas de se­­gunda-feira. Outras 53 pessoas es­­tavam desaparecidas, 3.262 desabrigadas e 11.439 desalojadas. Antes do deslizamento de ontem, Niterói tinha 79 mortes confirmadas. Na capital, 46 pessoas mor­­reram, 22 delas no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza. Outras 16 vítimas são de São Gonçalo. Entre os desaparecidos, 50 são de Niterói e um da capital. Segundo a Defesa Civil, 135 pessoas foram resgatadas com vida dos escombros.

O prefeito da capital, Eduardo Paes, anunciou ontem a decisão de remover e reassentar todos os moradores do Morro dos Prazeres, e no trecho do Laboriaux, na Rocinha, na zona Sul. "Não vamos mais brincar com essa história", disse ele, que criticou "demagogos de plantão" contrários à medida. "Não vou ser responsável por pessoas morrerem ou passarem o verão sem dormir", disse Paes, que não informou prazos. Desde o ano passado, quando o projeto de remover 13 mil casas teve início, somente 1,3 mil foram realocadas. Em janeiro, a prefeitura havia apresentado um mapeamento de áreas de risco que indicava a necessidade de remoção de 12.196 domicílios em 119 comunidades. Apenas um dos locais onde morreram as 43 vítimas da tragédia na capital estava na lista: a Rocinha, com uma vítima.

Paes anunciou que fará obras emergenciais de drenagem e contenção de encostas no valor R$ 100 milhões. Ao todo, serão 38 intervenções em serviços como contenção de encostas da Serra da Grota Funda, Grajaú-Jacarepaguá e Avenida Niemeyer.

Rotina

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Os cariocas tentaram retomar a rotina ontem, já que a chuva deu uma trégua durante o dia. Algumas vias importantes da cidade continuavam obstruídas, como a Estrada Grajaú-Jacarepa­­guá, que só deve ser reaberta em um mês, e a Avenida Niemeyer, que liga São Conrado ao Leblon. A única ligação da Barra com a zona Sul era feita pela autoestrada Lagoa-Barra. A

Garis da Companhia Municip­­al de Limpeza Urbana do Rio recolheram 5.760 toneladas de lama e detritos. Os reboques da prefeitura socorreram 202 veículos abandonados nas ruas. On­­tem, o Ministério da Saúde destinou ao Rio mais de 5 toneladas de medicamentos e insumos para os desabrigados. São ao todo 52 kits, suficientes para atender 26 mil pessoas por três meses. Trinta e cinco bombeiros da Força Nacio­­nal chegaram ao estado para ajudar nos resgates.

As escolas públicas voltam a funcionar na capital, mas o comércio ainda não foi normalizado. Ontem, o movimento das lojas caiu pela metade, na comparação com um dia de movimento normal. Com isso, o comércio carioca amargou um prejuízo de R$ 100 milhões. Somado aos R$ 170 milhões que deixaram de ser faturados na terça-feira, as perdas em dois dias somam R$ 270 milhões, segundo o Clube de Diretores Lojistas do Rio, Aldo Gonçalves. Na terça-feira, o movimento foi 90% inferior ao de um dia normal. Trechos de pelo menos 12 bairros da cidade continuavam sem energia ontem.

Niterói

Em Niterói choveu forte no fim da tarde de ontem, tornando ainda mais dramático o resgate das vítimas e aumentando o risco de deslizamento, que acabou ocorrendo à noite. O prefeito Jorge Roberto da Silveira calculava que precisararia de R$ 15 mi­­lhões para assentar 320 famílias que vivem em área de risco e 2,6 mil pessoas que estão desabrigadas por causa da chuva, além de recuperar os acessos da cidade, afetados por quedas de barreira. Em vários pontos da cidade, como o Morro do Beltrão, havia pessoas desaparecidas há mais de 40 horas. Desesperados, mo­­radores procuravam os parentes com pás e enxadas.

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"São mais de 30 pontos de deslizamento na cidade. É a pior tragédia que atinge Niterói desde o incêndio de um circo (em 1961, que matou centenas de pessoas)", disse o prefeito. O Instituto Médico-Legal da cidade estava sem vagas para receber corpos ontem.