Foto: Ivonaldo Alexandre/Arte: Felipe Lima| Foto:

Teresinha dos Santos era pouco mais que uma menina quando viu o moço passar ao lado. Joel tinha costeletas de Elvis Presley, molejo bom e esbanjava metros de tecido em calças boca de sino. Foram faíscas de um amor de primeira, ao som de Odair José. A cena seguinte, se bem lembra, é ela com três filhos na barra da saia – e um outro já lhe atazanando os umbigos –, dando duro para tirar uns trocos no Centro de Curitiba. It’s now or never – o amado não ganhava muito, o que se há de fazer.

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Mas Teresinha é "mulher de sorte", como repete com todas as cordas de seu gogó. Conheceu a alegria ouvindo a mãe tocando cavaquinho na casa que tinham na Vila Feliz, no Pinheirinho. O homem de sua vida lhe viera como que por encanto. Do mesmo modo aconteceu com a "melhor amiga", a ambulante Filisbina Bárbara, com quem cruzou em dias de amargura. De coração, agradece a marmita e o serviço que com ela dividiu.

Nunca tinham se visto mais gordas, mas Filisbina lhe deu uns bilhetes de loteria para que vendesse "ali na esquina, ó". A dita: tinha de gritar com primores, como se visse um ladrão com pistola ou a queda de um avião. Teresinha se pôs na Monsenhor com a XV e berrou o melhor que podia. "Cabra 21", "vaca 97", "peru...". Mal sabia ter aquela voz. Nem de quem se tratava o Pavarotti de que lhe xingavam.

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Era 1972. A Rua das Flores mal tinha virado Calçadão e já descobrira sua estrela popular. Nos 40 anos que se seguiriam, Teresinha seria mais amada que o Sombra e menos temida que a Gilda. Difícil quem não lhe apontasse: "Aquela é a Borboleta 13, a que dá sorte pra todo mundo".

Não é de todo lenda – o 64064 rendeu R$ 100 mil a um largo que sonhou com ela, pediu um bilhete e tlin-tlin. A própria Teresinha ganhou prêmios menores com a "vaca" e com o "porco". É pé quentíssimo. De todos, um concurso não lhe sai da cabeça. Certa noite, sonhou que a sogra lhe dava de presente um pacote de arroz. "Hum, sei...." No dia seguinte, Borboleta deu para uns conhecidos o bilhete da cobra, sem se dar conta de que distribuía ouro. Prêmio: R$ 500 mil. "Eu não soube interpretar. Minha sogra era a cobra", esborracha-se a mulher pequena, faladeira, perna curta de poliomielite, boca de carmim e 20 e tantos chapéus a seu dispor.

É vaidosa. Mas o maior dos seus caprichos era ter uma casa com escritura, para poder deixar aos filhos Jackson, Emerson e Jerônimo, Odenílson, Sandra Mara e Joelson César. Em meados da década de 1980, quando o marido ainda vivia, berrava que queria ter seu canto. Nada dele se coçar. Pois escondeu atrás de um quadro o que lucrava na loteria. E inteirou o que faltava para o lote com um prêmio do bilhete 13035.

Em 1985, mudou-se para lá. Há um mês regularizou sua situação com a Cohab e assinou a escritura de seu 12,5 X 45 metros. Bazinga. "Agora é meu", festeja a mulher que passou a vida vendendo a fortuna para os outros e só agora tem casa própria.

É endereço modesto. Fica numa baixada do Jardim da Ordem. Está sem muro. A frente é guardada pelo cachorro Jack, todo rabos para estranhos. Nos fundos, em puxado de madeira, mora Teresinha, acompanhada de meia dúzia de gatos, cercada pelos 14 chapéus de vender bilhetes e lembranças em papel jornal – foi objeto de incontáveis reportagens e até falou com o Jô.

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Na estante, bichos de porcelana. Na parede, a foto colorizada do falecido Joel e um bibelô feito com uma borboleta amarela, seu álibi. Teresinha tem planos de alvenaria, pôr tudo abaixo. Mas se aquieta. "Casa de material, só se eu ganhar na loteria, né", diz baixinho a Griselda do Tatuquara. É para não dar azar.

Com o que terá sonhado esta noite?